terça-feira, 20 de setembro de 2011

Barquito Rabelo


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Derivando na vaidade dos verdes bardos,
Flutuava a graça de um mágico barquito rabelo,
Acariciava parras que protegiam o cacho perfeito,
Ao estimular o movimento na leve brisa de um apelo,
Retribuía-se com brisas maiores de um acordo satisfeito,
 Impelindo o Rabelito nos maduros socalcos de xistoso leito,
Emergido das encostas dos montes que juraram protegê-lo,
Resistiu às intempéries que vinham com o desejo de vê-lo,
Barquito que sobrevoava seus rios de vinhas a preceito!...

Derivando na deriva de admiráveis castas orgulhosas,
Sobre as mais nobres castas de qualidades frondosas,
Navega feliz o rebelde rabelito de si seu único dono,
Com a coragem de um fiel trabalhador que nada teme,
Não adormecendo no desleixo dos folgados com sono,
Enche o vento a vela de suas descendências aventurosas,
Rabelo lírico decidido em ser seu próprio dono do leme,
Transporta paixão por suas uvas o barquito que freme,
Só à tardinha ancora a visão de mágicas curvas sinuosas,
Lá em baixo onde deslizam gigantescas velas misteriosas,
Confirmando os pagamentos sedutores de amargo abono,
Ameaçado pão e vinho por outras das paixões deliciosas,
Paixões de novas paixões, vinhas deixadas ao abandono!...

Derivando na derivada paixão por Portuguesa Touriga,
Entre o corte à tesourada de suas paixões separadas,
E os frios lagares onde as protegidas serão esmagadas,
Encalha o Barquito Rabelo apartado que a tristeza abriga,
Sem desconfiar que é fado mágico de uma tradição antiga,
Arrebatamento de paixões rubras por paixões apaixonadas,
Oferta de vindimadas deusas às irresistíveis paixões fadadas,
Essa mesma paixão pelo pequeno Rabelo incompreendida!...

Caiu-se de si o Barquito Rabelo sobre pedras de xisto,
Deixou-se derivar na deriva das espadelas sem vontade,
Murchou sua vela sem vento num amarrotado imprevisto,
Abandonando-se sob sua sombra de um olhar jamais visto,
Deixou que a prata do Douro reflectisse a profundidade,
De um fim de tarde marcado por resignada passividade,
Descurado chão onde flutuava o perigo de elevado risco,
Seca corrente forte onde correm Douros em maturidade!...

Acordou com luz de prata em seu peito de fundo chato,
Sensação de estranha sede da sede que nunca tivera,
Saboreou toda aquela luz num sôfrego sorver imediato,
Confundindo lágrimas escorridas num pequeno regato,
Com as acolhedoras boas-vindas que o Douro lhe dera,
Rio docemente sinuoso ao qual ficaria para sempre grato,
Douro que em seu leito de vida do rabelito estava à espera,
Para a praxe regada com generoso vinho de mais uma era!...

Derivando na deriva do rio que entre colinas ri,
Navega nervoso o pequeno rabelo atarantado,
Descobrindo a corrente na qual navega enviesado,
Esquecendo-se da espadela em remo do leme de si,
Sua quadrada vela agora ao vento se arredonda e sorri,
Bem segura pelo mastro no suor da vinha trabalhado!...

Lá se ajeitou o Barquito,
Seguindo a corrente dos grandes Rabelos imponentes,
Transporta agora a melhor uva, um único baguito,
Acenam-lhe alegrias lá nos montes as videiras contentes,
Recordando aquele rabelo pequenito,
Que flutuava num imaginário infinito,
Imaginação sem fim de grainhas sementes,
De onde germinam histórias entre calos dos crentes!...

O barquito Rabelo continua a derivar no mosto da deriva,
Navega também nos lagares  dos grandes prazeres da vida!...

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domingo, 18 de setembro de 2011

Alvado

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Um calvo cabo de velho eucalipto imponente,
Ergue-se ao renascer um novo alvor diferente,
Sacode terra desterrada do olhar desenterrado,
Na memória ainda cava uma sachola obediente,
Arrancando da terra o suor do campo semeado,
É tempo de voltar a ser vigoroso corpo abraçado,
Pela parte que de sua parte é parte concernente,
Tempo de ser-se completo pelo olho do alvado!...

Um ancinho longe do néon da moderna floresta,
Dormia com seus dentes arreganhados para o ar,
Por falta de pagamento viam-se as luzes apagar,
Nas noites da ribalta trevas eram donas da festa,
Um desalojado da terra regressa à casa modesta,
Lembrou a humildade que resolvera abandonar,
Ao pisar uns dentes levou com o cabo na testa!...

O cabo está bem apertado,
Um campo fresco está semeado,
A natureza tem seus decifráveis códigos,
Na taberna embebeda-se o canto do fado,
A terra acolhe seus filhos pródigos,
Olha-se a colheita pelo olho do alvado!..

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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Carnaz

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Do avesso que a pele trespassava,
A carne viva comia a pele que pelava,
Da carne era insaciável o pútrido apego,
Prurigem viscosa de duplo desassossego,
Que gemendo da podre carnaça execrava,
Gordurenta infecção de náusea sem relego,
Induzindo ao vómito engolido que agoniava,
As próprias entranhas que vomitava!...

No outro lado da gemebunda pele voraz,
Sentes um voraz verme lamber teu interior carnaz!...

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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Terrorista

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Nalguns estados em estado de riqueza,
Governam-se hábitos de mansa pequenez,
Ossadas de quadris revelam estados de pobreza,
Aos salários mensais já foi roubado o final do mês,
Uma criança abandonada chora sem saber o que fez,
Começou a servir-se a fome em estado de crueza!...

O branco foi abatido entre a cinza da velha pomba,
Asas de fome estrangulam a cor da última pena de paz,
Há alguém a cismar que entre morrer e o morrer, tanto faz,
Vestem sacrifícios dos cordeiros com a explosão duma bomba,
De uma ranhosa lágrima inocente escorre brilho de ideias más,
Um bebé ainda nas raízes do berço é acusado de Satanás,
Na Humanidade abate-se a verdade que tomba!...

Na aterrorizante crise de valores incalculáveis,
Todos defendem suas consciências tranquilas,
Ao serviço de imorais dinheiros abomináveis!...

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Diziam...



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Diziam que era um Poeta,
Quem sabe, um predestinado,
Houve quem o tivesse idolatrado,
Ciente de uma estranha poesia indirecta,
Encontrada na partida o alcance da meta,
Pobre destino do poema segregado!...

Ah, se quem admira soubesse ver,
Se soubessem distinguir as vendas… do olhar!...
Ah, se tivessem ensinado os que dizem sem pensar,
Se soubessem que entre as linhas há entrelinhas por ler!...
Ah, essas linhas escondidas que poucos souberam escrever,
Pontes de versos que entre fantasmas das linhas vão continuar!...

Diziam que era um misterioso Poeta para lá da Poesia,
Que tinha versado a Alma para lá da alma de todas as linhas,
Um plebeu, como alguém disse, que destronou palavras rainhas,
Há quem fale da Alma eterna que entregava às palavras que escrevia,
Certos Poemas afirmam que o Sol de certas noites, claros dias escurecia,
Outros juravam leituras de ter visto o Poeta voar no enigma das adivinhas,
Só ninguém sabia ao certo onde a Alma de sua inspiração dormia!...

Diziam que dizia,
Que os verdadeiros Poetas eram piolhosos menores,
Aprisionados na louca Alma da Poesia,
De universos maiores!...

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domingo, 11 de setembro de 2011

Valquíria Submersa


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Cercada por lágrimas em revolta,
Sou doce ilha em aberto Amar salgado,
Navego à deriva por valquírias envolta,
Perseguindo o sonho do guerreiro sonhado,
Que rejeito sem medo por medo infundado,
Onde afogo meu submerso amor emergido,
De um abismo de sal pelo amor perdoado,
Mensageira só de um sonho perdido!...

Valquíria de Odin quisera eu ser,
Mensagem dos deuses e tua escrava alada,
Quisera eu lamber os corpos da espuma suada,
Saboreando sal grosso da salgada espuma penetrante,
Voei entre mergulhos conquistando jovens tronos de poder,
Abracei a força de Neptuno e fiz-me sua doce sereia encantada,
Cantei azuis marinhos e dancei com sensuais algas de prazer,
Montei cavalos-marinhos e unicórnios de mágico semblante,
Iluminados pelo sol de minha vaidosa adolescência delirante,
Delírios felizes que a memória se vai esquecendo de viver,
Dispo o manto de mar que revela meu corpo escondido,
Ausente de si, ausente de mim e pela ausência possuído,
Vai desistindo da Vida, vai entardecendo o amanhecer!...

Sou uma ilha deserta e salgada,
Retalhada por infinitos pensamentos,
Sou arquipélago de todos os momentos,
Por tempestades de lágrimas açoitada,
Que impelem minha dúvida sagrada,
Atraindo-se num só, mil fragmentos!...

Sou Mulher que voa, nada e rasteja,
Sou valquíria e sereia que Ama e não deseja!...
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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Elo dos Oráculos

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Esvoaçavam esbeltas as mariposas em sua beleza,
Na feliz transparência das asas que o vento embalava,
Adormecendo-as na anestesia serena de leve sossego,
Quando em chumbo transformadas pesaram a tristeza,
Caindo em si num voo picado que o chumbo denunciava,
Desfragmentou mil peitos corajosos num único medo,
Dando asas brancas às negras asas de sombrio degredo;
Penumbrando de intensa Luz um eclipse que a iluminava,
Radiante a borboleta agora de toda a cor de luz apagada,
É uma folha caída das quatro de um amaldiçoado trevo,
Sorte desmaiada no sortilégio de um dramático enredo!...

Adivinham-se entrelaçados mosquitos por cordas,
Comem-se uns gatos pardos por cio de lebres extintas,
Lêem-te mentiras verdadeiras para que por ti não mintas,
Reiteras o caos da disciplina errante de engajadas hordas,
És o número redondo que em ti, por ti, de ti não recordas,
Cilha de albardas elaborada de tuas premiadas precintas!...

Em tempo de fome regressam oráculos menores,
Ratos envoltos em peganhenta película aderente,
Não desses pobres ratos de igual peçonha diferente,
São ratos e ratazanas de doentias inspirações maiores,
Senhores e senhoras das predições e outros folclores,
Que vendem rédeas soltas ao freio pouco inteligente!...

Quebram-se elos seguros de mau-olhado,
 Os mesmos elos onde os sonhos preguiçavam,
Reforçando a preguiça de um sonho já reforçado,
Sonolento despertar para um olhar desconfiado,
Por olhos desviados dos olhos que olhos amavam,
Amores que aos olhos mal olhados se entregavam,
Falsa paixão ilusória de um engano envergonhado,
Previsto acaso das coincidências que aguardavam!...

Sentados em dunas de nostalgia,
Entre mãos cúmplices que não se tocam,
Observam o quarto minguante que na lágrima flutua,
Baços olhares silenciosos de melancólica eupatia,
Descrentes na noite roubada à mágica Luz da lua,
Cores perdidas no Arco-íris da utopia!...

Regressaram mais santificados oráculos,
Predizendo fúnebres traições perdidas no passado,
Multiplicam-se ventosas de viscosos tentáculos,
Na oportunista clareza óbvia do óbvio gizado,
Mágicas letras de engenhoso fino traçado,
Palavras melodiosas de admiráveis cavernáculos!...


Afinal, na bola de cristal comandam os mosquitos,
Confundidos com cordas de articulados homenzitos!...
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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Passos de Coelho


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O andamento já não acredita em passos,
Tolhe-se ao abismo que galga o movimento,
Os caminhos atados ao nó dos alentos lassos,
Descambam em desatados mentirosos crassos,
Coelhos doces revestidos de milagroso vento,
Correm feitos lebres no tolhido pensamento,
Dos afectos populares de quebrados laços!...

O fogo já foi encomendado,
Pelo ferro cansado e retorcido,
Abriu a caça ao coelho descarado,
Confiando no costume abrandado,
Brando. o conquistador adormecido,
Julga estar dos caçadores protegido,
A exemplo do outro recente passado,
Golpe traidor que não será esquecido,
Por este Povo com desprezo roubado,
E de orgulho profundamente ferido!...

Pior do que um caçador licenciado,
É um desnorteado caçador sem licença,
Pior ainda é o vaidoso coelho que pensa,
Ser coelho que nunca vai ser caçado!...
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domingo, 4 de setembro de 2011

Respeito

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“Prefiro quem me enterre um caralho qualquer,
Do que ser enterrada pelo caralho de uma Mulher!...”

Ainda não me libertei desse respeito incompreendido!...
A princípio pensei o pior dessa Mulher senhora de seu umbigo!...
Hoje, constatando o enterro assistido por tantos casais,
Vejo sepulturas de tantas juras matrimoniais,
A  um vasto jardim de cornos resumido!...

Louvada seja a caridosa Mulher,
Sobre a terra que seu desejo há-de comer,
Fértil seja toda a virtuosa terra de aluguer,
Que o desejo de um Homem só há-de foder!

Tenho um justo respeito pelo respeito que uma Mulher tem por si mesma,
Quando uma Mulher de outra Mulher não é uma avantesma!...
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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Moeda


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Havia um certo ouro,
No brilho da pobreza,
Como se ser-se pobre,
Fosse condição nobre,
Da nação Portuguesa!...


Havia um certo ouro,
No respeito da mocidade,
Não cuspiam na Bandeira nacional,
Sentiam-na como nenhuma outra igual,
Brilhante orgulho na identidade!...


Míngua era verdadeiro ouro,
Com um certo brilho de prata,
No embaciar conspirava a lata,
Sonho rico com o 25 vindouro,
Liberdade e um farto tesouro,
Que ainda hoje não se farta!...


Há um certo brilho no olhar,
Há certos reflexos de ouro roubado,
Numa certa moeda que nos está a matar!...

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