Mostrar mensagens com a etiqueta crianças. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta crianças. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Crianças, a Fome e a Fome de Leão

.
.
.

Acordo sem deixar de dormir,
Neste sonho que me enrola,
Ou, talvez não…
Não sei ler e volto à escola,
Não há quem me possa acudir,
Acudo-me num rabisco farsola,
O professor é um terrível anão,
Escreve de espingarda na mão,
Solto um grito e vejo-me a cair,
Caio numa oferta, sou a esmola,
Sou o jantar de um famoso leão,
Engolido, passo por uma argola,
É ouro que a noiva está a vestir,
Visto-me e avisto-me a despir,
Não tenho qualquer ereção,
Revisto-me sem consolação,
Sinto prazer que deixei de sentir,
Sinto uma nudez que me esfola,
Sou coelho a dormir na caçarola,
Ou, talvez não…
Acordo em corvo cor de carvão,
Sobrevoo uma criança sem gramática,
Tão indecifrável é a linguagem do cifrão,
Enrola-se a língua à língua que se enrola,
Blábláblá... qualquer coisa e um pouco de pão,
Voam os chapéus que sacam coelhos da cartola,
Cada cartola mais alta é uma cartola democrática,
Foram-se os coelhos mágicos e só ficou uma pistola,
A fome de uma criança aponta a pistola automática,
Aponta às dores de dentes do regressado leão,
Contrata-se um dentista, por caça, fanático,
E antes que o mudo mundo grite não,
Os pássaros morrem numa gaiola,
As crianças tomam uma decisão,
O medo da vida é sintomático,
     E morrem com determinação!...

Acordo sem deixar de dormir,
Sonho com um leão feito de luz da lua,
Há um sol que para alguns só brilha a fingir,
Caçadores de leões são a humanidade no devir,
    Crianças morrem nos dentes da fome que continua!...
.
.
.



quinta-feira, 18 de junho de 2015

A Terra que nos Preenche (Tráfico)


.
.
.

Assassinados!...
Á facada,
Por envenenamento,
Á pedrada,
Por enforcamento,
Por consentimento,
Por nada!...

Estranho mundo de engravatados,
Estranhos olhos em cada gravata,
Cegos pela indiferença dos atados,
Atidos à riqueza que, nunca farta,
Têm nas mãos o que muito mata,
Poder sobre os apoderados,
Donos de muitas vidas…
    Vidas incumpridas,
Dos raptados,
Dos vendados,
Vendidos e vendidas,
Por bandidos e bandidas,
Por senhores acima de qualquer suspeita,
Os suspeitos do costume e a Lei por eles feita,
A angústia de nada saber e o tormento,
Uma nesga de luz muito estreita,
O apagar da esperança desfeita,
O esmagamento,
A inocência que com as trevas se deita,
Inocência que não dorme, por muito que tente,
O pesadelo do medo desperto,
O extenuante despertar,
A morte,
Talvez a morte,
E a morte bem viva de frente,
A vida na vida de quem a vida não sente,
Um desejo de morrer muito forte,
A morte proibida,
De uma criança perdida,
Que, ainda sem o saber,
Seria, um dia, proibida de viver,
Vivendo na humanidade esquecida,
Esquecida dos dias com amanhecer,
Pesadelo nas noites dos despojados,
     E nem as preces as deixam morrer!...

Na terra que nos preenche com uma estranha altivez,
Onde enterramos a humanidade de nossa consciência,
Brinca uma criança com o seu sorriso e a sua inocência,
Há um silêncio que a vai cercando revestido de placidez,
Na terra que nos preenche cresce em silêncio a mudez,
Entre a serenidade e a indiferença, acontece a ausência,
Perdemos a memória e não recordamos sorrisos, talvez,
Da terra que nos preenche vai germinando a indecência,
     Cresce na terra que nos preenche, a terra por nossa vez!...

Mundo Mudo,
A Vida por nada,
     A morte por tudo!...
.
.
.







sexta-feira, 12 de abril de 2013

Órfãos da Primavera



.
.
.


Uma filha órfã de uns e outros pais,
Para alimentar seus filhos pequenos,
Vendia-se a quem prometia pagar mais,
Triste era a entrega e achavam ser demais,
    Pagando a promessa por muito menos!...

Começou por alugar partes do corpo,
Aos olhos que mais partes queriam comer,
Promessas de pão com fartura fizeram-na crer,
Na necessidade de vender-se a qualquer porco,
Até nada restar do que tinha para vender!...

Quando as dezoito primaveras floridas,
Deram as boas vindas à sua maioridade,
Seus filhos já eram flores entristecidas,
    Desflorados na sepultura da mocidade!...

Campos de flores escondem a saudade,
Com as primaveras das crianças suicidas,
Ninguém evoca ter violado por caridade,
    As três Primaveras órfãs da puta da vida!...
.
.
.
 


                                                         




terça-feira, 2 de abril de 2013

Contas

.
.
.


Não contava encontrar,
O velho contador;
Em tempos,
Contava estórias de encantar,
Contas de rico teor,
Sobre contas de rico senhor,
     Contas que dele sabia contar!...

-Olá, amigo contador,
Que contas,
Amigo sonhador?...
Que contas,
Sobre tuas ideias tontas,
    Com que foste sonhando?...

Com uma triste desilusão,
Baixou a cabeça e acenou que não,
Há anos que deixara de sonhar,
 E foi contando:
.
.
.
 -Conto que já nada tenho para contar,
Já não conto os anos que passam,
Não conto os que estão por passar,
Faço de conta que conto,
E conto que conto,
E volto a contar,
Conto as horas que deixei de contar,
     Conto que parei de sonhar;
Já ninguém me tem em conta,
Dão-me um desconto,
E volto a contar,
Só não conto,
Nem desconto,
As contas que ficaram por pagar!...
E conto mais:
Conto que olho,
E volto a olhar,
Conto que vejo um pote,
Cheio do frio que ficou,
Sobre cinzas que a fome não levou,
E volto a contar,
Conto que raspo-lhe o fundo,
Todo raspado pelos donos do mundo,
E volto a raspar,
Conto que conto e volto a contar,
Conto que os olhos de um filhote,
Raspados no fundo do pote,
Me contam ser olhos de fome,
E volto a contar  a tristeza no olhar,
De quem já nada come,
Conto que vejo olhos que choram,
 E voltam a chorar,
Conto que já pouco conto,
E nada mais quero contar,
E conto que conto,
  E volto a contar!...
Conto com quem não me conta,
Que ainda conta comigo para contar,
Conto com quem não me paga a conta,
Essa conta que não conta,
Para as contas que não posso pagar,
 E continuo a contar,
Conto que conto,
Que não ter que contar,
   É um conto que me vai matar!...

E conto e volto a contar,
Conto que não contem comigo,
Porque nem comigo eu conto,
   Para as minhas contas pagar!...

E conto que conto,
  E volto a contar…
 .
.
.