quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Fonte Eterna

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… e quando tua fonte secar,
Beberei toda a sede que deixares,
Serei a tua fonte de onde vai brotar,
Toda a nossa insaciável sede de amar,
E se, tão sedenta de mim, me amares,
Seremos a fonte de todos os lugares,
     Serás minha água e o meu saciar!...

Nada espero dos rios incansáveis,
Nada peço à fúria das águas doces,
Somos sal dos mares inalcançáveis,
E, fosses tu a água que não fosses,
    Seremos duas águas inseparáveis!...

E quando todas as fontes brotarem,
Serão teus doces lábios, todas as bicas,
Para meus lábios, teus lábios beijarem,
    Serás toda a água que em mim ficas!...

… e quando secar esta nossa fonte,
Nossa água fresca continuará a correr,
  Lembras-te de tua primeira água eu beber?...
Continuas fresca nascente no cimo do monte,
Flutuam nossos beijos de água sob a ponte,
     Onde nos debruçamos para a água nos ver!...
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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Não Obstante...

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Obsta o poeta os poetas,
E não obstante,
Num exercício constante,
Poetisa revoltas indirectas,
Sobre a razão dos profetas,
Em seu clamor dissonante,
  E outras revoltas secretas!...

Obsta o carneiro no pasto,
 Não obstante,
Pisa a verde erva, petulante,
E arrasta consigo, por arrasto,
A razão de um prado já gasto,
  Pelo apetite mais alucinante!...

E volta o poeta que garante,
Todas as prometidas razões,
Clama sobre doces corações,
E sobre um poema distante,
Versado por doces emoções,
No sentimento redundante,
Quiçá, de lúdicas sensações,
 Brincando, não obstante!...
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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A Nobreza das Mãos e das Línguas (ou dos cus)

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De sujar suas ávidas mãos,
Há quem de muito nunca se farte,
Gente muito fina de escrúpulos vãos;

Há em cada mão cinco ímpares irmãos,
Por quem, muita porcaria, a mão reparte,
Limpam o belo cu aos ricos, estes cortesãos,
    Para quem lamber ricos cus é uma arte!...

Gente fina de muita fineza,
Capazes da excepcional proeza,
Limpam magras carteira aos pobres,
Sem nunca deixarem de ser nobres,
Na arte de semear a pobreza!...

Que ninguém os roube,
Que ninguém ouse enganá-los;
Houve quem enganá-los não soube,
Alguém que soube como acusá-los,
A justiça, de tanto em si não coube,
    Lambeu-os e mandou libertá-los!...

Há línguas que me levam ao vómito,
Há lábios lambuzados com tanta graxa,
 Que há sempre aquele merdeiro que acha,
Ser o exemplo do puro-sangue indómito,
    E, apesar de ser merda, limpo se acha!...

Se para cada empregado, há um certo patrão,
Quem de vocês não conhece rastejantes assim?...
As línguas folgadas na trampa respondem que não,

   Os que trabalham por todos eles, dizem que sim!...
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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Confissão dos Pecados Inconfessáveis

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Todos temos inconfessáveis pecados,
Escondidos no inferno da consciência,
Alguns permanecem bem guardados,
E logo vem o castigo pela confidência,
  Dura lei dos pecadores inconfessados,
    Que auferem de decisória tendência!...

Exibimos os pecados que não temos,
Atrás dos pecados que escondemos,
Pecamos por virtude,
E por vício para que vícios paguemos,
Absolvida vicissitude,
De pecados, amiúde,
 Antes que os pecados confessemos!...

Também eu me confesso,
Dos pecados que não tenho,
Confesso que de mim desdenho,
Por ter culpas do que não expresso,
Parto do pecado, inconfessável regresso,
  Sou um caminho de pecados por onde venho,
      Sou cada pedra do meu caminho onde tropeço!...
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domingo, 13 de novembro de 2016

Tempo do Silêncio e das Folhas

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Vejo as minhas velhas folhas caírem,
Em cada folha a queda de um desejo,
Em cada desejo, o adeus de sentirem,
    As tuas caídas folhas que só eu vejo!...

São as folhas que o tempo amontoa,
Amontoadas pelo tempo que passa,
Folhas a quem o tempo não perdoa,
A cada folha que o tempo desfaça!...

É folha a quem o tempo não perdoa,
Como se fosse culpada de ter nascido,
Folha que por si cai e por cair não voa;

Voam velhas folhas por terem caído,
Voa o silêncio que pelo tempo entoa,
    Desfolhado no silêncio por ter vivido!...
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