domingo, 29 de junho de 2014

Entre a Brisa e os Canaviais


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Não faltaram uma e outra cana,
Nem outras canas verdes e fustigadas,
Com que se deitaram no leito de sua cama,
Cobriram-se com uma brisa mundana,
Que serpenteou entre vergastadas,
Das finas canas desconsoladas,
Pela esperança soberana,
    E pela rama cortadas!...

Escondidas sobre a terra e dobradas pela castigada cerviz,
 Ostentada foi a linda rama beijada por brisas inevitáveis,
E cavando o fundo esquecido do desenterro da raiz,
Esmorece alguma árvore profundamente infeliz,
Vendo os umbráticos frutos pouco saudáveis,
 Só existirem em seus delírios inegáveis,
   Desenterrados em cada cicatriz!...

Deitou-se num sussurro de brisa cortante,
Esperou entre a poesia dos seus canaviais,
Talvez viesse a folha que cortasse seus ais,
A brisa trazia desejos da memória distante,
Sentiu as raízes do seu ser por um instante,
E sentiu que sensação assim já era demais;
Demais, era o beijo arrepiante,
Das canas nas brisas matinais,
Transformadas em vendavais,
   E beijos cortados pelo vento!...

Acordaram as canas por um momento,
Por um fresco momento recordaram-se virginais,
   Como canaviais oferecidos à brisa e levados pelo tempo!...
   
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quarta-feira, 25 de junho de 2014

+ ou - 1 Soneto à Portuguesa


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Virou as lágrimas contra a bandeira,
Bandeira triste que também chorava,
Torcera por ela toda uma vida inteira,
    A última lágrima torcida que restava!...

A cor do sangue haveria de ser maior,
Sempre mais viva do que a esperança,
Foi trocado o escudo por algo de pior,
    Armilas caídas aos olhos duma criança!...

E sucedem-se as lágrimas dissonantes,
Choradas pelo pó que as hão de cegar,
    Em desfastios de cânticos consonantes!...

Tudo começou na esperança de ganhar,
  E cega exaltação do antes como dantes,
      Antes do herói que vencido há de voltar!...
    
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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Redondez Esférica de uma Verdade Redonda


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A glória da fantasia global,
Vertiginosa lá do alto do esférico,
O círculo que envolve o estado mental,
As voltas fechadas num vai e vem histérico,
A globalização desse arredondamento genérico,
Que nos dá a volta em voltas da ingenuidade natural,
Quase sagrado com um toque fantástico e quase irreal,
Redonda consagração do feito de efeito mais homérico,
Quem nem Homero, por mais épico que fosse, e brutal,
Não imaginaria arredondar-se nesse futuro quimérico,
E vão rolando glóbulos à volta da redondez financial,
Numa linha que se liga pelo globalismo isotérico,
Onde a se arredonda de igual para igual,
Ou, pelo menos, sem parecer imoral,
Constrói-se herói mesmérico,
       Essa cura esférica do mal!...

Juntam-se mesméricos esferoides de redondo talento,
Compram-se juízes redondos para as globais lavandarias,
As bolas perfeitas são dadas ao povo redondo de sedento,
Arredonda-se a magra verdade ao globo ocular do desalento,
E quando as cores do mundo rolam num turbilhão de hipocrisia,
Que esse globo de gente redonda, tida como alegre mercadoria,
Não ouve o tiro de partida para o primeiro pontapé violento,
Nem sente as esferas que o fazem rolar sobre a idolatria,
      Até ao último tiro no final no mesmo povo cinzento!...

A bolas que rolam no sorriso da estratégia montada,
É um compressor, globo da felicidade, ao que parece,
O povo rodopia e é esmagado como sempre acontece,
Esmagado, continua a ser cor viva da ilusão montada,
    Não vê que a realidade a seria se a realidade quisesse!...
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terça-feira, 10 de junho de 2014

+ de 10 cegos do 10 de Junho


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Visto pelo olho da friesta cega que espreita,
Escorre o breu denso e frio pelas rugas da caverna,
Cobre os olhos rendidos à luz desta cegueira moderna,
Teimam as palavras na voz já muda de tão gasta e suspeita,
Oca e vã, se repete a erodida nesta democracia desfeita,
De homólogo em homólogo, por homólogo se alterna;
Esquecidas foram as searas de patriótico cunho,
E antes que se ergam os nós atados no punho,
Encaba-se o povo cegado que cego se governa,
    Caga-se Camões para este cego 10 de Junho!...

Eram mais de dez cegos em ajuntamento,
Eram mais de dez cegos a ver o que mais ninguém via,
Eram mais de dez cegos numa visão do seu merecimento,
Eram mais de dez os cegos que viam a noite igual ao dia,
Eram mais de dez os cegos em ensurdecedora afonia,
Eram mais de dez cegos em estado de agravamento,
Eram mais de dez cegos a presidir ao julgamento,
Eram mais de dez cegos de cega valia;
Olhavam-me nos olhos, os cegos de viés,
Como se eu não visse o que cada cego não via,
Desprezam o meu olhar da cabeça aos pés,
E era aos pés do olhar que cada cego caía,
Quando sofria sua cegueira um iluminado revés,
Era um cego só, que com os outros cegos se ria,
     Só de cegos a ver o que viam, eram mais de dez!...

Visto pelo olho da friesta cega que espreita,
Escorre uma noite densa sobre o olhar da cegueira,
Uma bandeira arde ao sabor de uma cega elite eleita,
Ondula aos olhos de um cego que pouco a respeita,
    Não vê o cego, as cores que ardem numa fogueira!...
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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Palavra do que Lido


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Gosto de envelhecer com as palavras que nunca envelhecem,
Quase gosto de não ser conhecido pelos que me conhecem,
E pelos outros que pudessem gostar de me conhecer!...
Leio-os entre as poucas palavras que acontecem,
Conhecem-me pelo gosto em não me ler,
Não leem sobre a vida acontecer,
     E, vazios de mim… desaparecem!...

Gosto de adivinhar secretas leituras,
Das palavras revindas e das que nunca partiram,
Gosto das palavras eternas e das eternas loucuras,
Escrevo-me de alma nua em memória de velhas diabruras,
E aspiro cada partícula de pó que a pó memórias se reduziram,
Procuro-me na roupa das palavras que se despiram,
Visto cada palavra em que vejo velhas ternuras,
Dispo-me da velhice com que se vestiram,
   E rejuvenesço palavras sem amarguras!...

Não sabem lidar com o que não sou…
As palavras dos que se escrevem envelhecidos,
Escrevo nas palavras que não sei porque Ele perdoou,
-Mas sei!...
 Não escreveu Ele direito o que o homem entortou?!...
Há sempre quem escreva sobre os perdões acontecidos,
Perenes, palavras e causas são a causa de alguém que condenou,
Precede a palavra condenada, à inocência dos condenados e perseguidos,
Mas nunca seguidos,
 Aos olhos sociais da lei!...
E, envelhecendo, eu aqui estou,
Lidando com palavras dos não lidos,
Ainda a sorrir para as palavras que te dei,
Só minha palavra, muito minha, não te dou,
   Palavras de minha palavra com que fiquei!...
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domingo, 1 de junho de 2014

As Cruzes no Abutre


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Desprezo e dó,
Político e abutre de carreira,
No olhar habitual da sua cegueira,
Amassa-se na lama e faz-se pão de pó,
Rodeia-se de mais abutres e nunca está só,
Ondula ao vento com as cores de uma bandeira,
     Dá dura terra a comer e vende-se como pão-de-ló!...

De toda a terra já comida e de muito do mar sugado,
Chegada que foi a vez, do corpo dar sua carne a comer,
Exigiu-se todo o açúcar do sangue e muito suor salgado,
Esse abutre, ao doce sabor do povo sempre habituado,
Estranhou a liberdade de consumo incapaz de se deter,
Apelou a mil diligências e todos os formulários de poder,
Voaram papéis da ordem do seu papel e foi desprezado,
    As cruzes derrotadas viram os quadrados vazios vencer!...

Um abutre comeu menos e outros abutres comeram mais,
Todos os abutres comeram da mesma carne mais popular,
O abutre que menos comeu vê um abutre a quem culpar,
Disfarça-se de pardal e nega os secretários gerais,
Esperam mais carne do povo, os pardais;
Já não se abstém o povo de ver os abutres pairar,
Votam no desprezo em urnas consensuais,
Nulos e brancos são abutres a debicar,
 As cruzes de nulidades mentais!...    
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