sexta-feira, 25 de abril de 2014

Ditadura dos Cravos


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Aquela imagem teimosa,
A criança de rosto empoeirado,
Mãos que sacodem terra do pão,
O sacudir antigo da fome receosa,
Aquele olhar envergonhado,
      E a palidez da razão!...
Uma lágrima caída no chão,
Outra que se esconde, medrosa,
O ranho sujo pela fome provado,
 O insulso sabor da resignação,
    E a palidez silenciosa!...
O prato cheio de fé religiosa,
Na ponta da língua o pai-nosso rezado,
Todas as rezas e o acto de contrição,
O sonhar com a fartura perigosa,
      E a palidez do fado!...
O desespero amordaçado,
A mordaça com cores da nação,
O grito pobre de uma criança ranhosa,
     Moldura à imagem de um Povo amarrado!...

Chegaram os cravos da revolução,
Logo a seguir ergueu-se o punho cerrado,
Abriu-se a mão que se transformou numa rosa,
Setas apontavam um céu azul e o ouro da fartura,
Atrás das costas ficou o mal que nem sempre dura,
E o peso dos sonhos prometidos,
Dos soníferos cumpridos,
E o fim dos pesadelos da ditadura;
Cravos e mais cravos, por cravos protegidos,
Rosas e mais rosas entre cravos floridos,
O florescer livre da arte e da cultura,
O princípio de uma aventura,
     E os manifestos permitidos…
   O futuro…
A velocidade e o muro,
O fim que o cravo não previu,
    E seu esborrachar prematuro!...

Esta imagem que teima,
De crianças sem pais nem abrigo,
A fome da democracia que queima,
     Cravos que a ditadura trouxe consigo!...

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terça-feira, 22 de abril de 2014

Os Cravos das Duas Mil Páscoas


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Escondes num bolso três cravos clandestinos,
No outro escorre o sangue da mão escondida,
Carregas a cruz tatuada de múltiplos destinos,
Dói-te a luz da alma nas trevas da carne ferida,
Rezas para que a Liberdade te seja concedida,
Vês Deuses na consciência dos fios mais finos,
Caminhas, sem caminho, entre os peregrinos,
   Procuras-te nos caminhos de tua Fé perdida!...

Escondes-te dos cravos que restaram,
És a dor dos inocentes sem sofrimento,
Falta-te a verdade e o arrependimento,
 Beijas os traidores e os que O mataram,
 Ao lavar as mãos dos que O entregaram,
      Ressuscitas a morte e o consentimento!...

  Não tens a consciência da bondade, pois não?!...
E da Verdade crucificada?!...
Rezas por uma chuva de dinheiro que compre o perdão,
Nada melhor do que uma consciência comprada,
Com algum dinheiro lavada,
E só Deus sabe dos Pilatos que por aí vão,
Muitos deles, sacros devotos à oração,
Temendo a hora da verdade ressuscitada,
    Que crucifique o poder escondido atrás da razão!...

Depois de tantas vezes O matarem,
E outras tantas vezes o intento fracassar,
Pediram muito dinheiro para o ressuscitarem,
Amando mais o dinheiro em vez de O amarem,
Pensaram em desistir da tentativa de O matar,
Mas os cravos continuam sem enferrujar,
Como se, bem vivos por Ele, sangrassem,
     E sem explicação continuam a sangrar!...

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terça-feira, 15 de abril de 2014

Cravos à Força (Abril Nunca Mais)


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Carregaram-os em ombros, aos cravos triunfantes,
Regressaram os cravos pródigos educados no exílio,
Voaram em eufórica Liberdade, como nunca dantes,
Asas e cravos encontraram-se com filhos estudantes,
O povo soltou-se dos braços da pátria em seu auxílio,
Um poeta desertor prestou-se ao seu clamado idílio,
     Ficou marcado esse Abril com seus cravos brilhantes!...

Filhos de cravos, mais filhos do que filhos vulgares
Foram exilados em colégios nobres só para eleitos,
Aos ranhosos fora dada a liberdade e seus efeitos,
Cantar o hino sem obrigação é coisa de outros ares;
 Disse o velho coberto de tempo ao falar de direitos:
 -O sabor da tua colheita saberá ao que semeares!...
Com um punhado de terra negou meses perfeitos,
      Das suas mãos caiu terra fértil e fartura dos mares!...

Jovens cravos transformaram-se em professores,
Sartre alastrava-se e depressa cus se mostraram,
Quando virados para um governante de doutores,
Os cus universitário provocam intelectuais rumores;
Libertou-se a literatura e as liberdades se revelaram,
Beauvoir, libertada de sua timidez,
Alertou para futuros estados de estupidez,
Fosse qual fosse o país que socialistas tomaram,
Ou a ser tomados por capitalistas devoradores!...
O ensino programado é um estado de pequenez,
Tão fácil programar docentes no simulacro das cores,
Acreditaram nos intelectuais, seus excelsos superiores,
Esses mestres incontestáveis que para emigrar pagaram,
-Ou, se sem medo, digamos,
Com língua de palmo, o pagamos!...
Aprenderam tudo que de errado até hoje ensinaram,
E, por cá, dos intestinos apodrecidos de sua altivez,
Filhos desiguais dos altivos filhos que Abril fez,
Já não se revêm nos traidores que lutaram,
    Com cravos, agora, cobertos de palidez!...

Faz-te ao mar pequeno barco servil,
Não percas de vista os beijos no cais,
Regressa ao teu país depois de Abril,
   Cravos de Abril, é que nunca mais!...
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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cravos à Força


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À força…
Fizeram de ti, terra sem identidade,
Impôs-se o impulso casual e urgente,
Tinhas de ser cravo para a posteridade,
Sem que pedisses para o ser,
Viram em ti proibidos desejos e toda a Liberdade,
Foste Esperança à força nas mãos de tanta gente,
Vergaram tuas hastes numa fartura aparente,
Para criar mais raízes fortes de fertilidade,
Fértil, fértil, foi a ilusão da semente,
Foste renovo para esquecer,
E antes que o pudesses perceber,
    Passaste a ser cravo de orgulho ausente!..

No lugar de cravos floridos de orgulho viçoso,
Movem-se gritos tontos a caminho da fome,
Tontos militares cheiram o seu cravo famoso,
Um cheiro de vergonha liberta-se, silencioso,
   Os cravos sem culpa são do Povo sem nome!...

Já não somos Portugal,
Não sabemos que terra defender,
Sentimos este traidor desapego nacional,
   Elegemos quem nos comeu, come e continua a comer!...
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domingo, 6 de abril de 2014

Glorioso


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Contam-se minutos de massacre desferidos por incapazes protegidos,
São cinco dias da semana e mais um a cismar no assédio do seboso,
Mandá-los para a inocente puta que os pariu, é por demais perigoso,
Trabalho de escravos competentes que asseguram o tacho adquirido,
Pobre escravo descompensado faz todo o trabalho do inútil garantido,
Adivinham-se promoções do filho do doutor, esse brasonado lustroso,
Para ele chegar onde chegou, não se poupou e foi em manha generoso,
E sob vis ameaças do desemprego é o trabalhador honesto advertido,
Porque num País que nada produz qualquer trabalhador é suprimido,
É mesmo uma real ameaça se comparado com o inabilitado vagaroso;
É justo? Pergunta o explorado, ao filho duma grande cunha divertido,
Apanhando como resposta um reles vitupério de carácter indecoroso,
    Nó que arde no estômago, inferno de ter o próximo dia como castigo!...

Chega tão ansiado dia onde se jogam contidos recalcamentos,
Duas cores diferentes jogam o ódio e amor de adeptos iguais,

Um apito suspeito toma decisões inócuas, outras vezes fatais,
É o chefe injusto para o qual foi um trabalhador, divertimento,
Agora é baliza devassada por impropérios de desabafos totais,
Grande cabrão, filho duma puta, são jogadas de procedimento,
  Desabafa a vingança da imensa dor trabalhada no pensamento;
É o alívio na fervura intensa da injustiça onde vós trabalhais,
Orgasmo de contenção explodindo dos foras-de-jogo carnais,
É o povo que se liberta sem nunca deixar de ser instrumento,
   Bola maltratada e fácil de conduzir em dribles de sentimento!...

Prostra-se o mundo enfeitiçado aos pés de iletrados mortais,
Peões de circular ignorância redonda paridos em partos normais,
Ninguém lhes ensinou o abecedário ou o valor de uma primavera,
Nem eles se envergonham de certeiras biqueiradas na atmosfera,
Quando o esférico, amante de gloriosos momentos e outros mais,
Se arredonda em sedução aos olhos de quem seu amante espera,
Transformando a lua em novos amores de victórias sempre reais,
E, não fosse o Sol, rei de toda a
luz, seduzir os sonhos irracionais,
Brilharia a bola rainha no centro deste mundo verde que a venera,
Em vez do quadrado que fora do rectângulo cozinhados tempera,
   Provando que no gosto do povo apenas se jogam as vitórias finais!...

O povo agradece a vida do vermelho que corre nas veias,
Cor que aviva a Alma, imensa fé desta encarnada religião
Os copos de leite também se tingem de vermelhas ideias,
Já as mulheres, do vermelho, parecem nunca ficar alheias,
Rubras mulheres de alma popular vestidas de vermelhão,
Beleza conquistadora invejada por rivais de atitudes feias,
E de tão vaidosas, desse glorioso jamais se sentem cheias,
   Vaidade imensa iluminada pela luz do orgulhoso lampião!...

Papoilas mágicas em zig-zag entre espinhosos adversários,
Delicadeza à solta enlouquecendo em estonteantes rendilhados,
Nós atrás de nós no juízo defensivo de guardiões desesperados,
Entre pernas e chapéus, gordos frangos de desportivos aviários,
Aselhas desorientados em ataques cegos de sentidos contrários,
Sentem-se avermelhar de vergonha, por papoilas atormentados,
E saem para o intervalo rezando pelo final apito dos aliviados!...

 Voo para o glorioso abraço vermelho de paixão,
Voo forte das orgulhosas asas de um Lusitano povo,
É velho o nobre orgulho de um orgulho sempre novo,
Explicado de pais para todos os filhos encarnados de razão,
Razões a correr nas veias, vermelho de Amor sem explicação,
A mística vitoriosa pela qual, tal como tu, eu por ela me movo,
Irresistível a Rainha dos céus, gloriosa Águia de rubro coração,
Dúvida dissipada entre garras em chamas de um imenso fogo,
Dribles quentes de glória, aquecendo a vida num intenso jogo,
Jogo de vidas gravadas com as garras douradas de uma visão,
  Golos inflamados de sofrimento e o prazer de ser campeão!...

Bem me esforço para dominar esta minha vermelha voragem,
Mas este esplendor que na Luz infernal de minha alma irradia,
É como um fogo vivo que arde, alastrado por gloriosa ventania,
Soprado lá do céu onde o Glorioso é lança-chamas de coragem,
Inflamando este povo nunca farto de vitórias à sua passagem;
Traça-se o milagre da Luz em relvados de vermelha sabedoria,
Reencarnados, os apóstolos da Luz, espalham fé com harmonia,
Uma fé benfiquista que até sobre os católicos já leva vantagem,
Que Deus me perdoe a blasfémia insolente, talvez em demasia,
Mas neste Portugal onde à Luz se peregrina em alegre romaria,
A verdade assim proferida, é ao Benfica uma justa homenagem,
   E tudo o resto, que bem fazendo parte da natureza, é paisagem!...
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Poema dedicado ao Glorioso em 2010
(Campeão Nacional 2009/2010)

terça-feira, 1 de abril de 2014

Equilíbrio da Mentira





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Eu gosto de mentir,
Sou, por assim dizer,
Um mentiroso;
Minto a mim mesmo sem o saber,
Sou a verdade sem o pretender,
Um espesso silvado carinhoso,
Um ínfimo existir grandioso,
Tão certo do escurecer,
Desse enganador mais brioso,
     Que, se não o sou, sou a cobiça de o ser!...

   Afinal, não havia meio mundo a enganar outro meio?!...
Bons tempos esses, de mentira e meia desequilibrada,
Esvaziava-se meio mundo já de meios enganos cheio,
Acreditando na mentira, ela mesma enganada,
Hoje são poucos os que se dizem felizes,
Por engano, confessam-se em deslizes,
Desses poucos, os amigos do alheio,
Fazem o mundo muito feio,
Onde quase todos são raízes,
De árvores fustigadas por cicatrizes,
Dando frutos a mentirosos sem receio,
    Que as regam com metros de longos narizes!...

Haja alguém que, por engano, se engane,
Que me engane se eu não estiver enganado,
Por enganadores tem sido o mundo atraiçoado,
Há muitos quem, pelo muito de poucos, se esgane,
    Preferindo um nó corredio, a viver envergonhado!...

Eu gosto de mentir, mas…
Até quando minto digo a verdade,
Sou um mentiroso, a verdade seja dita,
Sou o silêncio de minha parte que grita,
Grito o silêncio que mente à realidade,
    De muita mentira sempre desdita!...

  
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