terça-feira, 1 de outubro de 2013

Bordados Involuntários

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Cruzavam-se em qualquer caminho,
Dos seus caminhos traçados no deserto,
Cada qual, dentro de si caminhando sozinho,
Consumidos por ásperas vendas de bordado linho,
Fitas rasgadas nos olhos fechados em ponto aberto,
E nos olhos bordados,
Relevos desencontrados,
Cresciam atrás de agulhas do bordado mais incerto,
Não eram agulhas de aço a entristecer de desalinho,
Nem o tecido era toalha de altar dos pecados liberto,
Eram veredas, o caminho por toda a solidão coberto,
     Silêncio bordado no coração triste aberto ao espinho!...

Sem desígnios, os espectros transversais,
Bordam-se com a poeira que os atravessa,
Tempestades exaustas morrem nos areais,
A praia deserta e desertos são almas iguais,
    De olhos postos em alguém que as impeça!...

Todos vão passando pelo que passamos,
E não vemos passar quem por nós passa,
Somos caminho único da nossa desgraça,
    E por nossa desgraça todos desgraçamos!...
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4 comentários:

  1. Alguns de nós
    artesãos de metáforas
    tentam ver mais longe
    para nada
    Na verdade os infinitos são ancestrais
    mesmo vistos das janelas escancaradas
    dos nossos pobres olhos

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  2. Uma estação morta e um amontoado de linhas tecidas fazem de “Bordado Involuntário” um Poema que testemunha abandono, egoísmo [“Todos vão passando pelo que passamos, / E não vemos passar quem por nós passa,”] e melancolia. Mas, mesmo escrevendo em correntes desencontradas [“Sem desígnios, os espectros transversais, / Bordam-se com a poeira que os atravessa,”], a solidão, a infelicidade, o outono, ou o inverno rigoroso, os desajustados, ou desalinhados, nunca estão presentes na poesia d’Alma sem que outras linhas sejam convocadas na urgência da mesma poesia.

    Um vazio afetivo, uma espécie de ferida, e, com efeito, a beleza deste Poema não almejou romper com o desencontro, ou com a depressão da qual todos nós estamos sujeitos, ou mesmo em desmentir, ou camuflar, essa fragilidade. Ou suscetibilidade.

    E, se há um fio que une esta Poesia à realidade, é uma ideia que se poderia assim representar sinteticamente: Todo o bordado é um processo ao mesmo tempo material e concreto. A prática, o talento e a habilidade estão vinculados à experiência da qual se tem conhecimento. Em outras palavras, não há bordado sem linha, nem meada sem fio, estamos todos, querendo ou não, condenados à solidão e ao egoísmo.

    Entretanto, mesmo no amargor do desengano, ou da dor, se é para ser triste, ou só, se é para fazer da vida uma linha, que seja renda. Bordada. Sem nós ou remendos vulneráveis. Porque a poesia d’Alma é o lugar do esforço, do laço de fita ou da forca, mas também do alívio. E do abrigo. Da agulha que tanto fere quanto costura, ou remenda, tecido cru, ou fino. E é preciso ser forte. E resistente. Até para ser infeliz. E só. Estupidamente só.


    Abraço.

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  3. É de admirar o talento, ou habilidade d'Alma, em desenhar palavras com imagens. Ou paisagens inteiras em harmonia com a Poesia. O [novo] wallpaper evidencia além do desencontro, a solidão que cada qual está destinado, uma vez que os olhos, por caminhos, ou veredas, cegos, ou condicionados à visão restrita de si próprio, não alcança o outro, e às vezes tão próximo.


    Excelente!

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  4. Caro Poeta:
    Notável poema em que a magia das palavras nos abrem horizontes.
    Parabéns.

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