sábado, 22 de junho de 2013

Vazio dos Trapos

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Áridos olhos, aqueles,
Deserto de trapos do tempo sacudidos,
Evaporar-se em vida já não vêm, eles,
Espelhos cobertos de trapos!...
Cerzidos os velhos remendos, neles,
Tropeçados pespontos no tempo caídos,
Recuo nos farrapos do viço descosidos,
Cosidos os olhos por cílios deles!...
Espelhos cobertos de trapos!...

Emurchecem secos, os ditos, em fiapos,
Descosendo-se o limite, rasgando se vai,
O rasgado pedaço da língua cosida se cai,
Palavras se costuram na língua de trapos,
    O ser o que foi que naquilo que é se trai!..

…como se uma toalha do mais puro linho,
Não passasse de um envelhecido retalho,
Tão só é ser toda a solidão num pedacinho,
Aberto é o ponto retalhado pelo bandalho…
Irreflectidos no ser, sem o ser, os farrapos,
Remendados a sós, os títulos prostituídos,
   Áridos são os espelhos cobertos de trapos!...

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1 comentário:

  1. A aridez de um tecido, enquanto coadjuvante da cegueira, ou mesmo de uma visão opaca e disforme, preserva na poesia um enigma, ou um mistério, que, embora implore para ser desvelado, não se entrega inteiramente. Os remendos, assim como as muitas linhas com que o Poema é ‘cosido’, e mesmo a imagem que o acompanha, dificultam a transparência da temática, mas não obscurecem seu brilho. No máximo uma sensação, enorme, de desconforto.

    Mas a poesia existe. Ela está no espaço por entre os fios, ou nesse espaço de muitos fios com que d’Alma me fala de retalhos, fiapos, farrapos e espelhos cegos. Ou mortos, vencidos, talvez. Mesmo com toda a cautela em não se revelar por inteiro, a exasperada opacidade, a qual nomeio de delicadeza, parece apontar para o íntimo, ou para as linhas do poema com que ele é feito. Ou costurado. Sem remendos. Íntegro, como todos os Poemas d’Alma. Cuidadoso, como tudo que se relaciona à juventude quando confrontada à velhice, e ao fracasso quando ao sucesso. E rico, nos detalhes das memórias que perdem para as imagens refletidas da realidade atual.

    E nisso, ou nesse espelho, consiste toda a transparência poética de “Vazio dos Trapos”, cujo título não contraria o caráter intencional do Poema, que critica a supervalorização do saudosismo em detrimento da atualidade, ou a cultura em detrimento da simplicidade da vida. Num olhar, ainda que frio, mas não distante, muito menos ausente, de refletir beleza e sensibilidade, e que representa um convite à reflexão do reconhecimento. Ou não.


    Bom Verão.

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