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Três camarões grelhados,
Meia lagosta e um lagostim,
Foram aperitivos para o festim,
Tenros salpicões finamente fatiados,
Concorriam com queijos amanteigados,
E tostinhas integrais com caviar;
Havia salada para acompanhar,
Mas…
-Por mil esfomeados,
Onde raio está a salada?!...
Ainda pensou em protestar,
Mas com a noiva já casada,
A criança baptizada,
E a louça por lavar,
Achou conveniente perdoar!...
Saboreou carnes deliciosas,
Tenrinhas,
E
outras proteínas gostosas!...
Do peixe, nem as escamosas,
Ainda se lembrou de sardinhas,
E outras pobrezas vergonhosas,
Palitou os dentes com as espinhas!...
Certo dia, porém,
Dormia ele tão bem,
Em seu sono modesto,
Acordou sobressaltado,
Pelo barulhento protesto,
Do seu estômago revoltado,
E de alguns peidos também!...
Havia algo que não batia certo...
Ninguém no contentor habitual?!...
Saiu debaixo das folhas de jornal,
E já mais desperto,
Um pressentimento muito perto,
Foi prenúncio de tragédia nacional!...
O nó das tripas chegou-lhe ao coração,
Onde
estava a sua rica refeição?!...
Onde
estaria o lixo com fartura,
As
ricas sobras e o pão?!...
Em seu redor tudo procura,
Uma pequena
razão,
Em contentores
cheios de loucura,
E só
encontram a fome pelo chão!...
*
*
Perto
do saco onde morreu um recém-nascido,
Há sombras
jovens de recém-casados a mendigar,
Algures,
há um pequeno gato que morre a miar,
Pegou
no velho pensamento que trazia consigo,
E junto
com a realidade escorrendo do olhar,
Ali
mesmo deixou de ser mendigo!...
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Doloroso a fome (em todos os sentidos). Doloroso a ganância.Doloroso o desperdício,o mundial, e o que muitas vezes fazemos no dia a dia sem perceber, sem nos darmos contas, sem abrirmos os olhos, para os necessitados, e para nós mesmos.
ResponderEliminarCada dia um dia incerto, incerto pela fome exagerada por poder, por dinheiro, uma fome que não tem limites, a fome do querer ter. Enquanto outras fomes gritam para serem aplacadas, além da fome por comida, a fome por respeito, por dignidade, por humanidade, por justiça...
abraço
Uma realidade social, quanto a mim, com direito a uma lei que a punisse. Sim! O desperdício alimentar deveria ser punido por lei, sendo ele um crime.
ResponderEliminarMas como tantos outros crimes, continua impune e a proliferar por uma sociedade cada vez mais doente ou doentia, onde o ser humano continua a cada dia que passa, a perder um pouco mais da sua dignidade.
Gostei do seu poema, pela temática abordada e pela expressividade que lhe consegue atribuir.Uns com tanto...outros com tão pouco...ou sem nada!
Sendo a poesia também uma arma de luta, faça-se dela a nossa voz.
Um abraço poético e o desejo de um bom domingo!
Como leitora da poesia d’Alma estou acostumada a trazer o poema para a minha realidade, e vivenciando aquela leitura como uma experiência de vida, às vezes, me transfiro para aquela paisagem, ou realidade, e comento. Mas, agora, relendo este poema, sou despertada para um erro do qual não posso deixar passar sem correção. E remissão.
ResponderEliminarA última estrofe em referência às “sombras jovens de recém-casados” lembra o renascimento da vida, ou da vida em construção e continuação. O objeto de reflexão passa a ser o ‘pensamento’ [“O nó das tripas chegou-lhe ao coração, / Onde estava a sua rica refeição?!...”]. Algo que está ao alcance de todos, para o qual podemos apontar e perguntar, e que não resiste ao impulso para se tornar realidade [“E junto com a realidade escorrendo do olhar,”]. Desta realidade liberta-se a mendicância [“Ali mesmo deixou de ser mendigo!...”], e ressalta-se a luminosidade do olhar, no presente e no futuro que se quer diferenciados pela luta. Qualquer luta.
É esta a voz da esperança que precisamos ouvir. E ouço. Neste contexto, em que o encontro entre o Pensamento e a Realidade é tão dramático, a fala, ou a razão da poesia adquire especial transcendência, porque d’Alma nos fala sobre uma possibilidade ao interrogar-nos sobre uma certeza! Ao mesmo tempo em que nos aponta um caminho simples e passível de reconciliação com a dignidade humana. Um caminho onde também encontro um Homem, cuja Arte em escrever poemas, além de iluminar questões humanísticas, é devolver esta mesma luz.
Obrigada, A.!
ÍCONE
ResponderEliminarda miséria só se aproveita
a carência reflectida
no seu signo
para o qual falta
um ícone
mortos de fome do sonho!
Assim
ÍCONE 0
macabro o sentido estético
corrompe a beleza
deixando
brotar na liberdade
expressão
ao sonho de mortos vivos?
Mim
ÍCONE 1
acrescento à beleza rasura
entre o r e sua asura
de asa em terra
onde se enterra
a cabeça
ave adormecida dormindo
Assim
A., Fartura! :)