sexta-feira, 8 de março de 2013

Fartura... (contentores)



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Três camarões grelhados,
Meia lagosta e um lagostim,
Foram aperitivos para o festim,
Tenros salpicões finamente fatiados,
Concorriam com queijos amanteigados,
E tostinhas integrais com caviar;
Havia salada para acompanhar,
Mas…
-Por mil esfomeados,
Onde raio está a salada?!...
Ainda pensou em protestar,
Mas com a noiva já casada,
A criança baptizada,
E a louça por lavar,
Achou conveniente perdoar!...
Saboreou carnes deliciosas,
Tenrinhas,
 E outras proteínas gostosas!...
Do peixe, nem as escamosas,
Ainda se lembrou de sardinhas,
E outras pobrezas vergonhosas,
   Palitou os dentes com as espinhas!...

Certo dia, porém,
Dormia ele tão bem,
Em seu sono modesto,
Acordou sobressaltado,
Pelo barulhento protesto,
Do seu estômago revoltado,
    E de alguns peidos também!...

   Havia algo que não batia certo...
     Ninguém no contentor habitual?!...
Saiu debaixo das folhas de jornal,
E já mais desperto,
Um pressentimento muito perto,
Foi prenúncio de tragédia nacional!...
O nó das tripas chegou-lhe ao coração,
Onde estava a sua rica refeição?!...
Onde estaria o lixo com fartura,
As ricas sobras e o pão?!...
Em seu redor tudo procura,
Uma pequena razão,
Em contentores cheios de loucura,
   E só encontram a fome pelo chão!...

*
Perto do saco onde morreu um recém-nascido,
Há sombras jovens de recém-casados a mendigar,
Algures, há um pequeno gato que morre a miar,
Pegou no velho pensamento que trazia consigo,
E junto com a realidade escorrendo do olhar,
Ali mesmo deixou de ser mendigo!...

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4 comentários:

  1. Doloroso a fome (em todos os sentidos). Doloroso a ganância.Doloroso o desperdício,o mundial, e o que muitas vezes fazemos no dia a dia sem perceber, sem nos darmos contas, sem abrirmos os olhos, para os necessitados, e para nós mesmos.
    Cada dia um dia incerto, incerto pela fome exagerada por poder, por dinheiro, uma fome que não tem limites, a fome do querer ter. Enquanto outras fomes gritam para serem aplacadas, além da fome por comida, a fome por respeito, por dignidade, por humanidade, por justiça...
    abraço

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  2. Uma realidade social, quanto a mim, com direito a uma lei que a punisse. Sim! O desperdício alimentar deveria ser punido por lei, sendo ele um crime.
    Mas como tantos outros crimes, continua impune e a proliferar por uma sociedade cada vez mais doente ou doentia, onde o ser humano continua a cada dia que passa, a perder um pouco mais da sua dignidade.
    Gostei do seu poema, pela temática abordada e pela expressividade que lhe consegue atribuir.Uns com tanto...outros com tão pouco...ou sem nada!
    Sendo a poesia também uma arma de luta, faça-se dela a nossa voz.

    Um abraço poético e o desejo de um bom domingo!

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  3. Como leitora da poesia d’Alma estou acostumada a trazer o poema para a minha realidade, e vivenciando aquela leitura como uma experiência de vida, às vezes, me transfiro para aquela paisagem, ou realidade, e comento. Mas, agora, relendo este poema, sou despertada para um erro do qual não posso deixar passar sem correção. E remissão.

    A última estrofe em referência às “sombras jovens de recém-casados” lembra o renascimento da vida, ou da vida em construção e continuação. O objeto de reflexão passa a ser o ‘pensamento’ [“O nó das tripas chegou-lhe ao coração, / Onde estava a sua rica refeição?!...”]. Algo que está ao alcance de todos, para o qual podemos apontar e perguntar, e que não resiste ao impulso para se tornar realidade [“E junto com a realidade escorrendo do olhar,”]. Desta realidade liberta-se a mendicância [“Ali mesmo deixou de ser mendigo!...”], e ressalta-se a luminosidade do olhar, no presente e no futuro que se quer diferenciados pela luta. Qualquer luta.

    É esta a voz da esperança que precisamos ouvir. E ouço. Neste contexto, em que o encontro entre o Pensamento e a Realidade é tão dramático, a fala, ou a razão da poesia adquire especial transcendência, porque d’Alma nos fala sobre uma possibilidade ao interrogar-nos sobre uma certeza! Ao mesmo tempo em que nos aponta um caminho simples e passível de reconciliação com a dignidade humana. Um caminho onde também encontro um Homem, cuja Arte em escrever poemas, além de iluminar questões humanísticas, é devolver esta mesma luz.


    Obrigada, A.!

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  4. ÍCONE

    da miséria só se aproveita
    a carência reflectida
    no seu signo

    para o qual falta
    um ícone

    mortos de fome do sonho!
    Assim

    ÍCONE 0

    macabro o sentido estético
    corrompe a beleza
    deixando

    brotar na liberdade
    expressão

    ao sonho de mortos vivos?
    Mim

    ÍCONE 1

    acrescento à beleza rasura
    entre o r e sua asura
    de asa em terra

    onde se enterra
    a cabeça

    ave adormecida dormindo
    Assim

    A., Fartura! :)

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