quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Saliências

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Há saliências de outra vida,
Suspensas na vertigem de meus pesadelos,
Sonho que sou cor apressada a escorrer de meus cabelos,
E deixo tingir-me por brancos intermináveis!...
Há saliências de outra vida,
A fugir ao próximo voo a que me dou,
Sonho ser pena arrancada do pássaro que sou,
E sou a leveza de braços insustentáveis!...
Há saliências de outra vida,
Afundadas em parte incerta de meus apelos,
Sonho afogar-me e sendo água que algures se escoou,
Flutuo no vapor submerso de entoações frágeis!...
Há saliências de outra vida,
Nas palavras inaudíveis de um invisível diálogo,
Sonho-me entre vários em perfeito monólogo,
Com permissão para discordar do prólogo,
E, consoante meu sonho análogo,
Sonho ser vogal de mim!...
Há saliências de outra vida,
Saliências sem fim,
No fim do começo da vida que reencarnou,
Sonho que sou Alma de entrada,
Do sonho, sonho de saída,
E entro até à saliência,
Da outra vida pela saliente demência…
Sonha-me o sonho que sou tudo e nada,
Do nada da saliência escondida,
Sonho que sou carro e estrada,
E outra vez saliência,
Rio furioso e terna jangada,
Rio desencontrado da margem perdida…
Sonho que sou corrente sonhada,
Prova diluída,
Promessa quebrada,
Fé cega e científica minudência!...
Sou vida do sonho que sou,
Porção de minha existência,
E de outra,
Sou outra vida e...
    A própria Saliência!...


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2 comentários:

  1. Ler “Saliências” é como adentrar o UniVerso d’Alma e depreender, de uma vez por todas, porque os poemas d’Alma não ficam abandonados após sua leitura. Antes pelo contrário, eles vivem para renascer sempre que necessário, e, eternizados, tornam-se aquilo que sempre foram: expressão em páginas de poesias cristalizadas.

    Todos os poemas d’Alma relacionam-se por temáticas, e nenhum eixo da poesia é ignorado. Por acréscimo, novos aspectos relacionam-se aos anteriores, e, numa espécie de continuidade, reforçam a área de compreensão. É isso que dá ao conjunto da obra o equilíbrio e a sustentação, e a garantia de que, se sonho, mais que real, ou, quando real, mais que pesadelo. Porque é preciso, ou imprescindível, que alguém seja mais que porta-voz. É preciso que alguém seja a própria poesia personificada.

    “Há saliências de outra vida,”, mas então, que luz transporta sua chama?

    O que A. não separa em estrofes, as saliências, através de suas exclamações e reticências, separam. Talvez um mistério desvendado, ou talvez mais uma linguagem disfarçada, ou camuflada pelo caminho poético influenciado pela ânsia de transcender o sono e o sonho, ou a realidade das imagens que refletimos, conservando-se entre o atalho e o espelho, no encontro da essência com a matéria, ou do corpo com a alma, na multiplicidade das muitas imagens que um só poema é capaz de reunir.

    Análogo, tanto quanto antagônico, a habilidade, ou a propriedade literária é sensível à realidade circundante. O que temos num instante não nos é garantido no verso seguinte. E fico com a impressão de ler um poema pelo avesso, ou do início pelo fim, e interessante destacar, numa mesma direção. Embora não saiba exatamente qual.

    Entretanto, a primeira pessoa do singular para todos os verbos chama a minha atenção para a percepção e representação como ponto de partida para a recriação de uma realidade que só se quer interior. E nunca desvendada. Pelo oposto de seus próprios contrários, e que, somente a criatividade sem ambição consegue perpetuar. Pela simplicidade, tão aparente, da vida dentro das coisas, e das coisas dentro das crenças, ou da fé.

    E é essa fé, ou dom, ou chamamento, que faz do poema uma palavra poética, permitindo a reinauguração de uma mesma cena, ou imagem, onde todos os opostos vivem em harmonia sem anular o poder do outro.

    E sua chama é capaz de deflagrar um incêndio. Ou uma explosão: “A própria Saliência!...”.





    Por tudo, tudo, que me permite experimentar, obrigada.

    Abraço.

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  2. Poeta

    Um poema muito profundo como profundo é o mistério da vida que se fosse só este "momento", comparado com a imensidão do universo a nossa vida neste plano é só um grão de tempo.
    Teremos já sido algo?
    O que seremos ainda...tanta pergunta sem resposta.
    Adorei como sempre e pobres das minhas palavras para te comentar.

    Beijo
    Sonhadora

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