terça-feira, 30 de outubro de 2012

Folhas de Outono


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Aquele magro rosto cansado,
De uma pálida serenidade natural,
Adormeceu na tristeza de um leito fatal,
Entristecido pela beleza de um Outono sulcado,
Na despedida serena de um derradeiro adeus finado,
   Pintado nas cores caídas daquele sorriso final!...

Arrefecida folha caída de Outono,
Desnudada de qualquer desejo sem dono,
E entregue ao vento frio que parado a acaricia,
É inerte imagem adormecida de uma memória sem sono,
Finalmente despojada da insónia que sobre cetim adormecia,
Esse eterno repouso branco da infalível e sempre eterna profecia,
Sepultada na crença ressuscitada das predições ao abandono,
Nas cores verdes da primavera emprestadas num assomo,
    De Esperança, na esperança de ter vivido mais um dia!...

Uma lágrima de cera liquefeita,
Jaz na queda de uma folha desenhada,
Nas últimas linhas de uma página desfeita,
Tangida pelos sinos em despedida imperfeita,
Empresta ao lúgubre destino daquela folha rasgada,
Pedaços de terra indiferente caídos da lágrima cavada,
Que a vela padecida sem tempo ao fim do tempo foi sujeita;
Voam pássaros negros numa interrompida lágrima congelada,
    Flutuando no vazio do nada que no nada dos olhos se deita!...

Envolta em silêncio jacente,
Cobria-a um murmúrio cinzento,
Abafado por um letárgico desalento,
De consentido e meigo sopro clemente,
Último influxo de cera esvaído num momento,
Derretendo na tristeza de um regresso comovente,
Acariciado pela suave brisa pousada levemente,
    Sobre uma folha de Outono levada pelo vento!...

Fecha-se a saída à folha onde o corpo jaz,
Entrada fechada às lágrimas em seu redor,
Deixando que pranteadas chaves de Amor,
Reclamem lembranças de um sorriso fugaz,
Por entre portas abertas em alvores de Paz,
   Felizes recordações libertadas daquela dor!...

Uma folha de Outono levada pelo vento,
Afagando levemente as faces primaveris do rubor,
    Oferece uma nova Alma que voa nas asas do alento!...

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Quantas vidas despojadas,
Quanta tristeza enterrada viva,
    Quantas mortes desterradas!...

Quanta unha partida,
Quanta esgadanhada campa aberta,
    Quanta enterrada Vida!...

Quantas almas no desterro,
Quantas frias entradas sem saída,
    Quantas saídas em erro!...

Quanto frio errante!...
Quanta terra cortada à medida,
Quantas lágrimas à despedida,
Quanto silêncio dissonante,
Quanto pranto à partida,
Quantos ais de tristeza redundante,
Quanto brilho finado da vida cintilante,
Quanta lama inglória sob a guerra perdida,
Quantas trincheiras num coração palpitante,
    Quantas mãos segurando as cordas da descida!...

Quanta saudade por suprir,
Quanta imortalidade prometida,
    Quanta promessa por cumprir!...

De joelhos enterrados,
Como raízes numa campa rasa,
Rezas os medos de fins antecipados,
Dos santos mistérios de dias assinalados,
Na pena lacrimada que das lágrimas extravasa,
Espalhando caídas penas de uma ferida asa,
    Roubada ao voo triste de tristes fados!...

Quantos esboços traçados,
Quanta obra interrompida,
Quantos planos rasgados,
Quantos sepulcros escavados,
Quanta vida longa resumida,
     Quantos ânimos desanimados!...

Quanta funesta indiferença,
Quantos de teus ódios sulcados,
Quanta igualdade morta à nascença,
Quanta contrição definhando na doença,
Quantos de tantos remorsos desacreditados,
Quanta vergonha no epitáfio dos dias profanados,
Quantos milagres de santos da casa caídos em desgraça,
   Quantas valas comuns no coração de pecadores perdoados!...

Quanta, quanta...
    Saudade!...

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4 comentários:

  1. Um dia, um certo DiVerso, em versos disse: “É-me agora oferecido todo este labirinto de Krystal, / Sem muros até ao inferno nem estreitos becos sem saída,”. E cumpre-se a sina, ou o destino, do Homem que preteriu os passos largos e descompassados à poesia que se perde momentaneamente para se encontrar nas palavras, ou nos versos, de onde só se consegue sair pelas temáticas humanísticas, ou de cunho social, demolindo paredes de concretos pelas frestas ‘da alma’ até conseguir alcançar o voo, pleno de poesia.

    E quando o leio, estou lendo uma história contada em versos, percorrendo o trajeto das asas entre a estética e a ideologia, e mesmo nas mais diferentes esferas culturais, sociais, ou políticas, o reconhecimento é imediato. Ou a identificação, e que seja parcial, de que seus sentimentos se assemelham aos meus.

    Mas de onde vem essa força que me transporta para dentro do poema e que me toma de poesia a pele e a alma? Talvez pelo fato de ser absolutamente envolvente: envolve porque d’Alma quer compartilhar com o leitor as folhas de que são feitas. Às vezes, são folhas sem rumo “Uma folha de Outono levada pelo vento”. Mas muitas vezes acariciadas pelo toque amoroso da poesia “Afagando levemente as faces primaveris do rubor”. E todas às vezes folhas perfumadas de reflexão que d’Alma proporciona “Oferece uma nova Alma que voa nas asas do alento!...”.

    Arte.

    Trocando de estação, d’Alma [“Brincando com letras mágicas”] me ensina com seus versos, a comungar, na renovação que se faz necessária, a serenidade das mãos em oração [“Ofereci o riso aos dramas profundos”]. E trago para minha a vida a lição de que, ainda que por momentos, sou vento e folha. Escrita.

    E voo.

    Depois, as mãos em abandono, e fica a saudade enclausurada no labirinto. Uma espécie de monstro que vive dentro de mim e que todos os dias sou obrigada a enfrentar. Uma saudade que pode ser do tempo que passa e tudo devora, da vida que se consome no dia-a-dia, ou dos mortos que enterrei vivos e que permanecem como vivos, ou mesmo dos vivos que enterrei como mortos e que às vezes voltam em forma de fantasmas. Vivos. Saudade de tudo que foi vida. E até da morte, como remorso. Que fez sorrir ou chorar, do bom ou do mau, e de todo o bem ou do mal que me causou.

    Por tanta saudade, uma parede a ser demolida. E um céu que a poesia d’Alma me lembra de que preciso acreditar que tenho o direito de conquistar.



    Obrigada, A.

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  2. E o que é a folha de outono caída, senão o "fim" de uma alma perdida e o prenúncio de uma nova vida?

    Bjs,
    Carli

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  3. Para ser lido muitas vezes, e sentido.
    Em algumas trechos enquanto leio vejo a cena.
    Ao final, tive a sensação de ler a dor de uma vida, viva, vivida. Que mesmo que tenha morrido, morreu em vida muitas vidas.
    Muito forte.
    abraço

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