terça-feira, 1 de maio de 2012

Calos de um Soneto sem Trabalho


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Contemplavam em silêncio suas mãos macias,
Pendentes nos cruzamentos pálidos das linhas,
Em cada traçado haviam encruzilhadas vazias,
Que incapazes de impedir o desalento dos dias,
Escondiam-se em silêncio como almas sozinhas,
Caídas a um canto dos olhos de noites vizinhas,
Ali ficavam nas rasas conjeturas das melhorias,
   E extenuante trespassar das horas mesquinhas!...

Trabalhava sem descanso no sentido figurado,
Fincando-se na única imagem do seu trabalho,
Aprisionada em suas mãos de homem fatigado,
Abatido na desonra de ser mais um espantalho,
Por ter sido despedido com todo o enxovalho,
Pelo novo tempo do mais moderno predicado,
Que o fez sentir ser uma carta fora do baralho,
   Às mãos de um jogo pelo qual foi segregado!...

Se a vossa fome teimais em não deixar matar,
Aceitem-se como os cúmplices de vossa morte,
Talvez vossa tão grande culpa não vos importe;
Não são os outros sempre mais fáceis de acusar,
Apontados pelos vossos dedos de fraco recorte,
    Vergados às vossas mãos mortas por trabalhar?!...

Abrem-se as vossas mãos para vossa culpa calar,
Mostrando os calos já escoados no desemprego,
Há despedimentos que cruzam linhas sem medo,
Enquanto os desempregados incapazes de lutar,
Estendem a sua mão torpe por tanto se queixar,
    Dos seus calos perdidos apontados a dedo!...

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Se vossa merecida fome matá-la não deixam,
Nem alimentam o desejo de por ela algo fazer,
Então, quantos desses vossos calos se queixam,
     Se dos queixumes da morte não quereis saber?!...
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1 comentário:

  1. Quando leio o poema “Calos de um Soneto sem Trabalho”, várias imagens se formam no meu imaginário e vários sentires se alinham como se atropelando por não saber que hierarquia respeitar. Desde a sensibilidade expressa pelo amor à humanidade e às suas demandas, até à humildade com que reúne versos tão belos quanto dolorosos, com uma profundidade que ninguém nunca ousou. Talvez nem o próprio A. Pina. Tamanha realidade. Tamanha certeza daquilo que se propõe a fazer e faz.

    Não é um soneto. É um poema impresso de cores, sabores e gestos, e os versos, em ritmo e luminosidade, me dão a impressão de que o mundo se abre em mil e uma possibilidades, e cada qual ao seu jeito, ou à sua época, aponta a um caminho. Mas também se fecha. Enquanto umas vezes para me dizer que ‘sim’, qualquer sim, outras vezes que ‘não’. E neste caso, não qualquer não. Apenas como contrário, sem ser oposição, lembrando o que é preciso. E necessário. Via sem saída, seus versos às vezes sangram. Outras vezes também.

    E o que antes era um calo, como efeito de uma proeminência dérmica, agora em riste, e vários, apontam à face, inocente. Desconcerta. Desequilibra. E mesmo assim, sustenta.

    Afinal a poesia d’Alma, quer histórica ou ficcional, fica para a posteridade através de um poema escrito por um homem que vive entre humanos, e, empático às suas dificuldades e atingido em cheio por essa humanidade que reflete em sua interpretação. Ou criação.

    E me pergunto o que dói mais, se o endurecimento da pele ou da alma, ou se os dedos da fome ou da acusação. Ou se a dúvida. E diferente de outras vezes, ou de outras leituras, infelizmente, ou felizmente, vou ter de aprender a conviver com a pergunta e com a ausência de uma resposta que me proporcione não a cura, mas o alívio de um sentimento que de fato não sei como administrar.

    Se fosse puro efeito poético, não louvável seria o poema. Louvado seja também o que d’Alma provoca.


    Boa semana.

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