quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pombas... (A Inconsciência da Fome)

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Cultivado na intenção caiu um grão de milho,
E logo alertou a fome duma pomba sorrateira,
Silenciosa caminhou ao longo da calada caleira,
Sob as telhas expostas à sombra da fome do filho,
As penas que escondiam o esfomeado empecilho,
Alimentavam os olhos de uma ocasião matreira,
Conforme revela um ladrão, incendeia o rastilho
    Caiu a pomba infiel aos pés duma fisga certeira!...

Os pombos solitários andam por aí desorientados,
Enjeitando sujas pombas brancas desempregadas,
Negras nuvens de negros abutres voam carregadas,
Trazem as sombras vorazes dos apetites insaciados,
Chuva vermelha cobre a fome de pássaros apeados,
Pombos desarmados abandonam pombas armadas,
Esquecidas das brancas penas de seus voos amados,
     Caídas em cinzas negras de velhas searas queimadas!...

Se por ocasião das colheitas preciso for,
Virão corvos brancos e pacíficos falcões,
Flores vermelhas e os cravos de outra cor,
Cortar o pio medroso de outras ocasiões,
Com dois afiados gumes das expressões,
    Sulcadas na cegueira da fome com fervor!...

Deixaram-se esguiar as asas da liberdade,
Sucumbiram as pombas proibidas de voar,
É tão diferente o céu no inferno da realidade,
Reais diferenças entre a diferente igualdade,
   De ver livres pombas deixarem-se arrastar!...

E é nos ninhos abandonados de filhos sem nome,
Que leio cortes nas asas daqueles que não sabem amar,
Apenas porque lá no alto voam os que não ensinam a lutar,
    E toda a coragem das penas foi caindo na inconsciência da fome!...
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1 comentário:

  1. Não defendendo a paz, a conciliação ou a negociação contrária ao conflito ou ao confronto, na mira da poesia, “Pombas... (A Inconsciência da Fome)” aperta o gatilho e fomenta uma insurreição [d’Alma...Revolução...!] à pseudo-serenidade das sociedades patriarcais, revelando a crise que oculta-se sob o véu protetor de uma liberdade encenada pelas medidas de políticas desiguais.

    O que antes era palco, uma expressão equivocada de leitura, ou de sentires, agora arena. Na dinâmica da cena, demoro-me em alguns versos [“Os pombos solitários andam por aí desorientados, / Enjeitando sujas pombas brancas desempregadas,”]. E pela primeira vez cogito a hipótese da poesia servir como meio tripudiante de um saber que transcende a prática social violada. Seus versos não comprimem a ferida. O peso poético, ainda que seja comparado à leveza de uma pena, articulado por diferentes domínios de saberes, é deliberadamente hemorrágico [“Deixaram-se esguiar as asas da liberdade,”].

    Mas em oposição à política coerciva de verdades inventadas e oportunistas, a realidade da poesia d’Alma, além de admirável, é proposta de alívio à dor. Por ser verdadeira e humanizada pelo amor e pela sensibilidade.

    [...] nada que não tenha exatamente o propósito de dizer, ou de lembrar, que mais importante que o voo, às vezes um pouco solitário, é o prazer de descobrir-se capaz de mover a humanidade a caminhar com as próprias pernas. Digo, asas. Refiro-me aos poemas que sendo asas às penas, nos ajudam a fazer dos dias uma paisagem de beleza e de harmonia.

    Mesmo quando a fome é a vitória do fracasso sobre o apetite.


    Cumprimentos, A.
    ¬

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