terça-feira, 11 de outubro de 2011

Apocalipse

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Não pisarás o verde da terra,
Não verás o azul do céu,
Serás um prisioneiro de guerra,
Serás réu!...
Não verás uma alma bondosa,
Não verás um rosto rosado,
Não verás uma pele mimosa,
Não verás um corpo lavado!...
Não terás um trapo,
Um trapo serás,
Morrerás de frio,
Serás um condenado nato!...
Não encontrarás um rio,
Sentir-te-ás fraco,
Beberás ácido da bexiga de um porco,
Tua alma sorverás, comerás bocados do teu corpo,
Até pouco restar,
Do teu filho inocente,
Rebento de teu sangue comido ao jantar!...
Mas… resistirás!...
A carne vais deixar de comer,
Teu corpo carcomido,
Será nojento;
Arrastar-te-ás sem poder algum,
Já não serás violento,
Teu refúgio será no jejum,
Não falarás,
Porque tua língua já comeste,
E cego como ficarás,
Do que sofreste,
 Pouco verás!...

Definharemos num pesadelo agitado,
Sufocados no vómito da nossa mente distorcida,
Asquerosa podridão engolida por um grito abafado,
Até a Alma de toda a Humanidade ser digerida,
No caos da bombardeada terra exaurida,
Na vergonha do homem culpado!...

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3 comentários:

  1. “Apocalipse” segue dando continuidade [“Prémio Nobel da Pás”, “Jesus [segundo]” e “Humanidade Suicida”] aos poemas com temáticas de fragmentos de uma sociedade cuja gênese reside no caos mundial, focadas no compromisso poético e na responsabilidade social com a humanidade, transformando sofrimento, não em salvação, cura ou alívio, mas através da informação e sensibilização, que um novo olhar seja despertado, e a visão crítica adquirida seja capaz de suscitar a representação e participação de cada um conforme sua realidade.

    A tradição apocalíptica teve sua origem com os profetas judeus, separados de sua divindade pela terra e pelo céu [“Não pisarás o verde da terra, / Não verás o azul do céu,”], provocando a discórdia de conciliação entre seus iguais com uma realidade dolorosa [“prisioneiro e réu”, “alma bondosa e rosto rosado” e “pele mimosa e corpo lavado”], o imaginário apocalíptico é um ambiente desolador [“Não terás um trapo,/ Um trapo serás, / Morrerás de frio, / Serás um condenado nato!...”], mas não condenado ao conformismo. A inquietude poética d’Alma ambiciona a sensibilização. É preciso experimentar a dor e conhecer os mistérios que envolvem o apocalipse sem a compreensão do sofrimento [“Do teu filho inocente, / Rebento de teu sangue comido ao jantar!...”] e sem a redenção da culpa.

    Se, do ponto de vista literário, os apocalipses surgem em situações históricas específicas numa tentativa de restaurar a ordem na sociedade quando não existe mais esperança, a poesia apocalíptica d’Alma não foge à regra, exceto pelo desfecho sem um final feliz. O aspecto pessimista da poesia [“Mas… resistirás!... / A carne vais deixar de comer,”] revela-se na urgência do fim onde o mal invariavelmente vence [“E cego como ficarás, / Do que sofreste, / Pouco verás!...”].

    A originalidade poética diverge do dogma de um sistema religioso [“Definharemos num pesadelo agitado, / Sufocados no vómito da nossa mente distorcida,”] e o uniVerso apocalíptico contesta a teoria de salvação [“No caos da bombardeada terra exaurida, / Na vergonha do homem culpado!...”] através da redenção. Quando d’Alma antecipa o fim do mundo e nos propõe a ‘vida eterna’ de sofrimento, perdemos nossos referenciais e o poema atinge um drama que aflige todos os homens. Cristãos e não-cristãos. É impossível fugir da ação do tempo.


    ¬

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  2. Culpa e redenção.
    Não somos todos réus?
    Repor a ordem? Que ordem? Se nada há para além da dor e do desespero...se não existem senão o caos ea angústia...

    Sinto fugir de mim o meu Apocalipse!!!

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  3. Fortíssimo, verdadeiramente assustador... contudo realístico! Diagnóstico feito e a cura apocalíptica.
    Urge mudar o Mundo!

    Sofia

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