quarta-feira, 18 de maio de 2011

Autoclismo


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Em tantos anos de declínio da Democracia,
Nenhum doutor inventou um mecanismo,
Que descarregasse límpida água de idealismo,
Levando toda a merda da suprema hipocrisia,
Para o esgoto político de cínica supremacia,
Onde filhos são adoptados pelo cinismo!...

O caminho de esterco entulhado,
É escorregadio dejecto nauseabundo,
Verborreia prenha de vómito imundo,
Vomitada sobre um povo abestalhado,
Ainda crendo num poder conquistado,
Ignorante vítima do desdém profundo!...

Perante tão descomunal cagada,
Bifurca-se o caminho sem preconceito,
Optar pela esquerda é borrar o pé direito,
O cheiro da direita é igual trampa consagrada!...

Com um pé na merda e outro a feder,
Resta-me adiar este assistido suicídio,
Desprezando a vã cidadania do dever,
Direito estranho dessa forma de viver,

Essa de ser testemunha do homicídio,
Silêncio pago com o tumoral subsídio,
Neoplasma ruim impossível de vencer,
Tumor politizado de corrupto dissídio!...

Fechadinhos dentro de nós,
Tricotamos silêncios nossos,
Fechamo-nos a gritos vossos,
Fechadinhos dentro de vós,
Em cada ponto estamos sós,
Com as agulhas nos ossos!...

E lá no fim da rua,
Lá vêm os mesmos candidatos,
Da mesma merda que continua!...

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2 comentários:

  1. Na reta final da campanha eleitoral para a eleição parlamentar em Portugal, o poema “Autoclismo” conta a história que é de denúncia social sobre os acontecimentos da política nacional e sobre a atuação de seus protagonistas.

    A política deveria ser um meio para mudar a realidade, mas na ausência de representantes das camadas mais populares, d’Alma rompe com os estigmas da passividade e sem engajamento partidário, faz da poesia um discurso apolítico [“Em tantos anos de declínio da Democracia, / Ainda crendo num poder conquistado,”], opondo-se pela lógica de exclusão a inclusão.

    Os versos multiplicam-se na consciência da massa desprestigiada e sofrida, e sem perspectivas de mudança na realidade social e repleta de extrema pobreza [“O caminho de esterco entulhado, / É escorregadio dejecto nauseabundo,”] nota-se a contundente urgência da linguagem poética que tanto insulta quanto incita a mudanças que deveriam ser essenciais, uma vez que eleger não é senão uma saída sem saída [“Optar pela esquerda é borrar o pé direito, / O cheiro da direita é igual trampa consagrada!...”].

    De conteúdo de natureza trágica, mas sem perder o humor, ou a d’Alma poética [“Com um pé na merda e outro a feder,”] o regime é fúnebre e o momento é de causa perdida [“Desprezando a vã cidadania do dever,”]. A criatividade de tamanha sensibilidade, face à necessidade que é sentida na pele e n’Alma. Duas pontas de um novelo no enredo de trama viciosa [“Fechadinhos dentro de nós, / Tricotamos silêncios nossos”] e demasiadamente dolorosa [“Fechadinhos dentro de vós, / Em cada ponto estamos sós, / Com as agulhas nos ossos!...”].

    A palavra e o verso. O conteúdo. E a mensagem: “Lá vêm os mesmos candidatos, / Da mesma merda que continua!...”. A poesia d’Alma é e sempre será uma psicologia da arte, e às vezes, da des’arte. É preciso desconstruir para construir. Um poema da poesia, uma palavra de uma estrofe, ou simplesmente uma exclamação de algumas reticências. E na abstenção do voto a tentativa de resgatar alguma dignidade extinta pela estrutura política.

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