domingo, 27 de março de 2011

Ninguém!...

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Eu sou o vento,
Dispo-te de tua beleza que se veste do tempo,
Sou vento forte!...
Visto trapos de luz com o brilho de tua sorte,
Sou ciclone desatinado e violento,
Alma do teu sofrimento,
Sou teu desejo sem norte,
Sou o tempo,
Sou o vento,
Talvez a morte!...

Eu sou a fome,
Alimento tua gula de um inferno sem nome,
Sou fome violenta!...
Insaciável ninguém que de ti se alimenta,
Sou apetite que come,
A vontade que consome,
E de ti se sustenta,
Apuro teu sabor com o suor que te experimenta,
Sou a fome,
Sou o nome,
Talvez tormenta!...

Eu sou o carrasco,
Ofereço tortuoso caminho de sangue até ao penhasco,
Sou a dor!...
Sou pus na ferida aberta de teu dilacerado amor,
Sou ignóbil fiasco,
Sou a náusea do teu asco,
Sou a consciência sadia do teu miserável torpor,
Sou carrasco,
Sou o asco,
Talvez rancor!...

Eu sou o reflexo,
Exponho a verdade côncava de teu falso convexo,
Sou a cegueira!...
Sou a cor omitida na mentira de uma bandeira,
Sou infectado sexo,
Sou o teu olhar perplexo,
Sou as trevas de capa e capuz da inesperada ceifeira,
Sou a rasteira,
Sou caos sem nexo,
Talvez inquisição e fogueira!...

Eu sou a claridade,
Destruidor de mentiras com laivos de crueldade,
Sou a verdade crua!...

Sou sonho desprotegido do pesadelo de consciência nua,
Sou refúgio da falsidade,
Causa perdida de tua ansiedade,
Sou leito escorrido onde teu medo desagua,
Sou corgo de piedade,
Alivioso despertar de tua adormecida intimidade,
Sou imagem tua,
Nua,
Que no pesadelo se insinua,
Sou, quando acordas, a verdade,
A dúvida que se perpetua,
Eu sou a liberdade!...

Eu sou NINGUÉM,
Pouco mais de nada,
Sou o grito de alguém,
Sou o sonho que se retém,
Demónio de uma alma cansada,
Sou teu desdém,
Parte de perdidas partes em partes separada,
Sou um pouco de ti, porém,
És muito de mim também!...

Eu sou a mentira da verdade,
Sou desprezo que de ti fica aquém,
Sou o vento forte da Liberdade!...

Só não sou o que digo ser,
Quando meus olhos consegues ver!...


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sexta-feira, 25 de março de 2011

Ladrão e Erva


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Ladrão e Erva,
Já fartos do paraíso,
Fizeram da serpente sua serva,
Então, já despidos de reserva,
Escolheram perder o juízo,
E, num acto de improviso,
Com cannabis de conserva,
Quase pecaram de riso!...

Com o siso já pedrado,
Erva sentindo a folha a arder,
Viu seu fumo ser fumado,
Seu veio verde ser roubado,
Pela tentação de a comer;
O ladrão sempre a gemer,
Ao rasgá-la com seu pecado,
Descobriu na Erva o prazer,
Crescendo em solo sagrado!...

Foi a pobre da serpente,
De aspecto tão repelente,
Condenada a pagar as favas,
Por tantas folhas fumadas,
Ficaria velhinha e indolente,
Sem concubinas ou escravas!

Só pode ser a maldição,
Perdida entre os pecados,
Da Erva e do Ladrão!...


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quinta-feira, 24 de março de 2011

Linha e Horizonte


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…Viu o horizonte sua linha,
Para lá de uma Amizade sem limite,
Vincar dobrado barquinho de convite,
Que em seu coração rasgado tinha,
E sobre as ondas navegou sozinha,
Guiada pelo doce sal de sua elite,
Que se ia quando ela vinha!...

Linha e horizonte,
Tão longe de se encontrar,
São Amar e Céu de seu olhar
São ambos de si sua ponte,
Passando sem se tocar!...


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quarta-feira, 23 de março de 2011

Prostituição



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Há públicos sistemas prostituídos,
Fechados a sete chaves da prostituição,
Há portas prostitutas abertas aos escolhidos,
Candidatas à escalada com poderes instituídos,
Há ofertas internas para não trair a instituição,
Que paga os favores com o favor da promoção,
Prostituindo o desempenho dos despromovidos!

Há alternâncias de alterne em reuniões,
Onde se abrem pernas às selectivas posições,
Que a promovida angariadora sempre promove,
Prostituir-se sem exame é a prova dos nove,
Ciência exacta de prostituídas promoções!

É um subsistema de pasto interno,
Onde as vacas que pastam divorciadas,
Putas manhosas na subsistência do inferno,
São carne sem dono na venda do consolo eterno,
Negócio fechado à porta fechada das fachadas,
E lá se reúnem longe das testas enfeitadas,
Com lindas flores de cornudo moderno!...

E assim vai este País,
Entre vaidades e orgias,
Sem direitos nem Juiz,
Onde um povo infeliz,
É traído todos os dias!...

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segunda-feira, 21 de março de 2011

Árvore

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…Com oxigénio em carestia,
Rouba-se o privilégio de respirar,
Inspira-se a Luz na energia,
Que inspira a inumana tirania,
De expiração pulmonar;
Falta o ar,
Viva a hipocrisia!...
Árvores verdes são alegria?!...
Já não são a maioria,
 Quem precisa de se inspirar,
Se basta uma flor para exalar,
Aromas de fantasia,
Enxertadas de vendado olhar?!...
Planta postes de luz na serrania,
Espera a sombra que te vai deleitar,
Mas, vais ter de a comprar,
E se teu dia se ensombrar,
Não te asfixies assim em demasia;
É apenas mais uma árvore em alegoria,
Pintada na extinção do papel que te quer rasgar!...

Árvores!...
Essa vida que dizem aflorar...
Sob milionários mármores...
Dá que pensar!...


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sábado, 19 de março de 2011

22




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…tanta prata resplandecente,
Tanto brilho de ouro por aí!...
Tens-me do que tenho de ti,
E se de mim estou ausente,
Em ti me sentes presente,
Com Amor fulgente de si!...

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segunda-feira, 14 de março de 2011

A revolta das Migalhas


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Vamos juntar nossas migalhas,
Que os senhores de nosso Destino pisaram,
Vamos abraçar a dança da chuva que eles nunca dançaram,
Voltar a amassar o pão para cozer nas quentes fornalhas,
Com o frio da fome que gelou as perdidas batalhas,
E dar-lhes a provar o Destino que nos traçaram,
Roubando dignidades, até, esses canalhas!

Vamos ensinar a essa canalhada,
Com quantas letras se escreva a fome,
Vamos mostrar-lhes como é que se come,
A miola que pelo desprezo deles foi esmagada,
Matando a fome à fome com mais fome alimentada,
Gritemos o significado da palavra que no dicionário se some,
Empanturrando-os com o significado do seu verdadeiro nome!

Vamos mostrar a verdade a esses gordos gatunos descarados,
Todas as variações das cores pálidas da verdadeira pobreza,
Vamos misturar essas cores com a cor rosada da riqueza,
E descobrir as novas cores que nos murais ilustrados,
Fixarão corajosos quadros pela igualdade pintados,
Com suave processo limpo por honesta firmeza,
Que nas lições da fome foram ensinadas!

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Pais desesperados, ao diabo gratos,
Rezam pelo fim dos gatos decepados,
E das lebres pardas que miam nos pratos;
Uma pobre Família sagrada de créditos firmados,
Foi publicamente acusada pelo seu gato, por maus tratos,
Entretanto, as lebres passeiam longe dos olhos esfomeados!

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Vamos juntar nossas migalhas,
E matar a fome a esses canalhas!...

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sábado, 12 de março de 2011

Paleta




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Deitou-a na paleta,
Onde seu sonho se quis deitar,
Misturou-a com duas pétalas de violeta,
Sobre o traço suave de uma borboleta,
E pigmentou o celeste céu azul no ar,
Dando asas à imaginação a voar,
Cor de fantástica faceta,
Prestes a sonhar,
Com a cor,
Que o amor,
Uma flor,
Quis pintar!...

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quarta-feira, 9 de março de 2011

Vizinho do Judeu



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Um vizinho de um pobre Judeu,
Que pelo martírio já havia enriquecido,
Comprou a patente de todo o sofrimento conhecido,
E um grato passe em branco que ficou como seu,
Justo monopólio que o sofrimento lhe deu,
Sacrificado ouro do vizinho esquecido!...

Há um dentista por dentes de ouro urdido,
Que arrancou o ouro das dores a sangue frio,
Confundindo seu ouro com o ouro do bandido!

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(in)Gratidão...




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… Tão ingrata a gratidão,
Que impõe a lei de seu trato,
Antes da obrigação de ser grato,
Obrigando o ingrato por indução,
A ser tão grato por ingratidão;
E assim vai cumprindo o contrato,
Contrafeito por obrigação!...


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segunda-feira, 7 de março de 2011

Máscara


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Sumptuosa árvore, poderosas raízes,
Sustentando a força que o povo agradece,
Gigante imponente de silenciosa dialéctica,
Beneplácito crente de atitude patética,
Sem as benesses das horas felizes,
Horas insensatas de que o povo padece,
O povo público… a Pobreza!...
Sempre à volta do pau, gravando mensagens,
Talhando a eito,
Atalhos,
Com firmeza,
Sem derrapagens,
Aposta do peito que fortalece,
O poder fraco da palavra,
Fraqueza imponente das imagens!...
Atalhos,
Talhados nos rosto, gravados na vergonha,
Risos e sorrisos fechados, amarelados,
De todas as cores,
E favores,
Abertos, sempre, a mais um baptismo,
A mais uma cegonha,
Desacreditada por esses abutres,
 Donos da verdade;
Espertos,
Despertos,
Adormecidos,
Possuídos,
Sempre à volta do pau,
Nada mau!...
Moldando mais uma máscara conveniente,
À ocasião sempre presente,
De adivinhar uma simpática verdade,
Num qualquer incapaz,
Vestido de insuspeita bondade!...
Horas insensatas de que o povo padece,
O povo público…
Que todo o castigo merece!...
Um prémio, mais uma benesse,
O melhor lugar no espectáculo lúdico,
E, quem sabe, uma máscara ainda melhor,
Mais um favor, nada pior,
Chegar onde nunca chegou,
Nem nunca o sonho ousou chegar!...
É uma nova máscara a talhar,
Bem trabalhada na ideia,
Concebida à catanada,
Ajustada a pontapé,
Nos ventos de quem semeia,
Campos de marretada!...

Atalhos bem talhados?!...
Entre o talho e o atalho,
Há qualquer coisa que cheira mal,
Um descuido malcheiroso, coisa e tal,
E lá cai a coisa revelando a “cara”;
 É que entre a latrina do passado,
E a sanita interactiva do futuro,
Vagueia muito mijo disfarçado,
 De cagalhão bem duro,
Mas não é de todo seguro,
Porque em tanta porcaria misturado,
Ficou-lhe o cheiro alterado,
Não passando despercebido,
Passando por ser o que não é,
Sendo confundido até,
Com aquilo que havia sido!...
Mas mesmo isso foi derretido,
Na temperatura do sol quente,
E enquanto se ia evaporando,
Impõe-se uma questão pertinente:
-Que seria aquele mijo,
Se em vez de mijo fosse gente?!...

Arbusto de raiz insegura,
Ao sol, de sombra despido,
Apeadeiro de território canino marcado,
Denuncia um cheiro infectado,
Naquele rosto abandonado,
Talhado a coices de cavalgadura!...
Máscara caída que ninguém viu,
Talhada da sumptuosa árvore que caiu!...
Ainda assim, nisto de árvores caídas,
É preciso tomar caldinhos de cautela,
Pois há sempre calculadas investidas,
Daquele que talhou uma gamela;
Fitou-a, fez-se a ela,
E cismou fazer dela,
 A máscara mais bela!...
Tirou-lhe as medidas,
Deitou-se nela,
E nela tomou o gosto,
 De nela comer!...
Pois!
Mãos à obra e toca a serrar,
Esculpir,
Talhar,
Suas medidas há que ajustar,
Medidas incertas, não há porque errar!...
Pois!

A coisa ficou pronta,
E do que parecia uma ideia tonta,
Pior coisa não podia sair;
Com as folhas a cair,
A madeira arreganhava,
Fustigada pelo sol quente,
Enquanto o fogo se aproximava,
Impunha-se uma questão pertinente:
-que seria aquela gamela,
Se em vez de gamela fosse gente?!...

Máscaras caídas que ninguém viu,
Talhadas da árvore que nunca existiu!


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quarta-feira, 2 de março de 2011

Vento de Esperança

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Não foi o vento frio de Esperança,
Que da Esperança, minha Esperança voou,
Não foi a liberdade de minha asa que ficou,
Na quietude da outra asa silenciosa e mansa
Adormecida num translúcido olhar que amuou,
Cansado olhar alcalino que já não cansa!...


Fixado em quatro paredes de morte,
Avançam pesados sobre mim,
Sombrios epitáfios de negro recorte,
Jazigo íntimo de minha fadada sorte,
Depois do calvário curto e lento,
Longo caminho de tormento,
Tardando o vislumbre do fim,
Sem sobrepor a negação ao sim,
Chaga a luz da consciência já torpe,
Que consome a esvaída convicção forte!...

O derradeiro voo, feliz de saudade,
Do sorriso feliz de quem conseguiu voar,
É passarito frágil com asas de liberdade,
Cruzando os oceanos, cálidos de prazer,
Montanha de céu onde respiro viver,
Nuvens dispersas a desfragmentar,
Na providência da tenra idade,
Reverso químico da felicidade,
Cópia matriz de genético Ser!...

Não foi o vento da Esperança,
Que da Esperança, minha Esperança voou,
Quando meu cabelo levou!...

Anjos brancos que por mim voam,
Velocidade da Luz que por mim passa,
Trompetas floridas que boas novas entoam,
Notas vivas que as melodias da vida enlaça,
Abraço do Milagre germinado da desgraça,
Como despedidas doentes que magoam,
Nas falsas partidas que a vida graça!...

Não foi o vento da Esperança,
Que da Esperança, minha Esperança voou,
Quando meus sedosos cabelos levou,
O mesmo vento de quem alcança,
A felicidade de trabalhar a longa trança,
Do longo cabelo que voltou!...

Foi esse vento de Esperança,
Que minha Esperança renovou!...

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